Hoje é dia São Pedro: saiba por que o santo é tão venerado entre os agricultores
Crença religiosa no santo se entrelaça com a cultura popular e a rotina de muitos produtores rurais
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Da Redação
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Neste 29 de junho, São Pedro encerra o período de festas juninas e, em algumas comunidades rurais, é tão celebrado quanto os outros santos católicos venerados no mês de junho. Tem procissão, fogueira e até folguedos em muitos lugares. Entre tantas reflexões sobre o santo, considerado o protetor das viúvas e a rocha da igreja, sem dúvida a mais popular é a de Dono das Chaves do Céu. Santo é considerado o porteiro do céu (Foto: Divulgação) Seja cristão, crente ou agnóstico, fica difícil negar: a história, os símbolos, e ícones celebrados hoje, reforçam as fortes ligações destas manifestações religiosas com a rotina dos homens e mulheres do campo, que lidam com agricultura ou outras atividades voltadas para a produção de alimentos, como a pesca. Há cidades que nem comemoram o São João, concentram todos os festejos em São Pedro. Coincidência ou não, muitas destas cidades ficam em regiões de forte produção agrícola, onde milhares de agricultores esperam todos os anos pela sagrada chuva para plantar.
São vários os sinais de ligação. Para começar, basta prestar atenção na imagem sacra usada pelos católicos para representar São Pedro. A mais popular traz um homem olhando sempre para o alto. Não por acaso, a celebração é realizada na primeira semana do inverno, período em que muitos agricultores estão arando a terra ou plantando. De olho no céu, alguns evocam São Pedro para pedir chuva e uma boa safra.
Por outro lado, se a lavoura estiver em fase de colheita, São Pedro é invocado para conseguir exatamente o inverso, fechar as portas do céu e impedir chuvas prolongadas. É o caso dos produtores de feijão. Durante a retirada do grão da lavoura não pode cair nenhuma gotinha de água. Caso contrário, o feijão fica úmido e toda a safra é perdida. O mesmo ocorre com a colheita do algodão, no oeste da Bahia. A fibra é retirada do campo no período em que o risco de chuva por lá é praticamente zero.
A ligação de São Pedro, que era pescador, com a agricultura envolve um outro santo popular: São José. Os festejos para “Pedrinho”, como é carinhosamente chamado em muitos lugares, acontecem 100 dias depois das homenagens ao Santo Protetor dos agricultores, celebrado em 19 de março. São 100 dias entre um e outro, período suficiente para começar e finalizar um ciclo completo de produção, do plantio a colheita. É assim com muitos cultivos, como o milho. São Pedro, “dono das chaves”, mais uma vez fecha o ciclo.
Significado das chaves Segundo os teólogos, as “chaves” que sempre acompanham São Pedro guardam muitos significados. Uma chave é marrom e representa a terra. A outra é azul e representa o céu.
A fama de “porteiro dos céus” vem de uma passagem bíblica contida no Evangelho de Mateus. No texto, Jesus diz para Pedro: “Eu te darei as chaves do reino dos céus e o que ligares na Terra será ligado nos céus”. O trecho fez São Pedro entrar para história como o santo que guarda as chaves celestiais e tem o poder de abrir e fechar tudo o que o devoto imaginar.
A fama não é de hoje. Segundo o Padre Aderbal Galvão, da paróquia de São Pedro, em Salvador, a devoção a São Pedro e os pedidos de intervenção são milenares. “Por ser o primeiro papa da igreja primitiva, São Pedro é um dos santos de devoção mundial. Ele abarca muitas categorias. Os pastores que cuidavam dos animais evocavam ele para pedir chuva, os agricultores para molhar a terra. Proteção para ligar e desligar, fechar e abrir”. De olho no céu e no satélite Apesar de manterem as tradições culturais e religiosas, a maioria dos agricultores da Bahia já não espera mais a benção vir apenas do céu. O tempo do improviso ficou para trás na moderna agricultura.
Atualmente, muitos produtores rurais já acessam, através da internet e do celular, os serviços meteorológicos de órgãos oficiais, como o INMET, para obter dados mais exatos sobre clima e previsão de chuva.
“A agricultura conta com uma tecnologia bem avançada. É um processo planejado e de precisão, que fornece ao produtor informações essenciais que ele necessita, antes de realizar o plantio. Alguns destes serviços fornecem previsões de chuva com até 30 dias de antecedência”, diz Rui Dias, Gerente Técnico do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), ligado a Federação de Agricultura e Pecuária da Bahia (FAEB).
É cada vez maior o número de produtores rurais que estão instalando estações meteorológicas nas fazendas. Elas são capazes de aferir o índice pluviométrico da região, a umidade e o vento. “Estes serviços fornecem mais segurança para o produtor rural. É tudo baseado em informação. Hoje até as máquinas são equipadas com computadores de bordo, interligados com satélites, que passam dados, por exemplo, para fazer as adubações e correções adequadas, de acordo com a umidade do solo”, acrescenta Dias, que também é engenheiro agrônomo, produtor rural e devoto de São Pedro.
Demora da chuva atrapalhou plantio Em algumas regiões do Estado, as chuvas esperadas para o primeiro semestre de 2018 não se concretizaram. O atraso fez muitos produtores adiarem o plantio. É o caso dos agricultores da região de Santo Antônio de Jesus e Cruz das Almas, no recôncavo. Na Fazenda Riacho Dantas, o produtor rural Tony Fontes, começou o preparo do solo quase dois meses depois do previsto. “Planejamos cultivar mandioca e laranja. Mas o nosso plantio é de sequeiro, sem irrigação, e depende de chuva. Como ela não veio, tivemos que adiar e ficamos aguardando”.
Há 15 dias, começou a chover forte na região e o agricultor tenta compensar o tempo perdido. “Já começamos a arar. Nós temos uma janela de três meses para realizar o plantio, entre maio e julho. Vamos tentar plantar tudo até o fim de julho. Mas agora é a chuva em excesso que está atrapalhando. Temos que ter alguns dias de sol para colocar as máquinas em campo”. Com atraso na chuva, só agora está sendo preparado o solo na Fazenda Riacho Dantas, no Recôncavo (Foto: Tony Fontes) Safra comprometida Em algumas regiões, muitos agricultores que contavam com o período chuvoso do primeiro semestre, jogaram a semente na terra, entre os meses de abril e maio, e perderam a safra. É a situação enfrentada pelos produtores rurais de Adustina, no nordeste do Estado. O município, considerado um dos maiores produtores de feijão da Bahia, está com a safra 2018 comprometida. Na região existem cerca de 2 mil produtores rurais.
Já no município vizinho, Paripiranga, mais próximo do litoral, a falta de chuva chegou a provocar perdas em 10% das propriedades rurais e atrasar o plantio do milho. “A chuva veio em pancadas, e em alguns lugares o milho germinou, mas acabou morrendo”, diz Mayk Nascimento Silva, Secretário de Agricultura do município.
Mas desde o início de junho, a chuva apareceu com força e muitas plantações estão verdinhas.O período de chuva na região vai até agosto e os produtores rurais que perderam o primeiro plantio, estão replantando na mesma área. “Agora tem agricultor tentando aproveitar este restante de período chuvoso”, diz Nascimento. Ano passado, os agricultores de Paripiranga produziram 3 milhões de sacas de milho, cerca de 180 mil toneladas do grão. As plantações se estendem por 27 mil hectares. Em Paripiranga, o atraso das chuvas chegou a provocar perdas de 10%, mas agora as plantações estão todas verdinhas (Foto: Georgina Maynart O que prevê a meteorologia A meteorologia prevê um segundo semestre de chuvas mais regulares em muitas regiões agrícolas, inclusive naquelas onde o índice pluviométrico ficou abaixo do esperado na primeira parte do ano. Segundo o meteorologista Heráclio Alves, “Este ano, o principal período chuvoso apresentou irregularidade em muitas regiões. O que provocou este retardo da chuva no Recôncavo e no Nordeste do Estado, inclusive nas cidades de Adustina e Paripiranga, foi um sistema de massa de ar quente e seco, que reduziu a nebulosidade e consequentemente as chuvas. A partir de agora, com a chegada do inverno, este sistema não atuará com tanta força e deve chover com regularidade”. Para as regiões Sul, Extremo Sul, todo o Litoral até o Agreste da Bahia, a previsão é da chamada chuva “molhadeira”, aquela chuvinha fina e constante, típica de inverno, com baixa intensidade. “Ela não é capaz de encher os reservatórios, mas deixa o solo úmido, ideal para o plantio. É chuva para a agricultura”, acrescente o meteorologista, Já as outras regiões produtivas, como o norte e o oeste, entraram definitivamente no período de estiagem. Em Juazeiro, as chances de chuva só devem aumentar a partir de novembro quando começa um novo ciclo. O Oeste segue seco até outubro, dentro do normal para a região. Para a Chapada Diamantina não são esperadas chuvas significativas neste período, e a possibilidade diminui à medida que avança em direção ao centro do continente. Sobre as crenças dos agricultores neste dia de São Pedro, o meteorologista considera que elas são complementares a ciência. “Eu não descarto. A gente lida com a tecnologia, com instrumentos que fazem as medidas. Já nossos avós e pais, homens do campo, acompanham de perto o comportamento da natureza, lidam com a observação ao longo dos anos e com a fé. A forma de monitoramento é diferente, mas os sinais são os mesmos”, acrescente o meteorologista.
Festa para São Pedro Centenas de municípios na Bahia comemoram o São Pedro. Seja para perpetuar a crença religiosa ou, simplesmente, para fugir da concorrência com cidades vizinhas que celebram o São João. Destacamos abaixo, alguns municípios onde “Pedro”, “Pedrinho” ou “Pedrão”, vai ser lembrado nos próximos dias.Muritiba: O município fica no recôncavo baiano e se destaca na criação extensiva de gado e na produção de tabaco. Os festejos para São Pedro se prolongam até sábado.Paripiranga: O município fica no nordeste da Bahia, na divisa com Sergipe, e é um grande produtor de milho e abóbora. Os festejos do São Pedro vão de sexta a domingo. Itiruçu: As lavouras de café e maracujá se destacam na economia deste município do Vale do Jiquiriça, centro sul do estado. As homenagens a São Pedro vão até o dia 30 de junho.