Empresários baianos e entidades não apoiam reabertura do comércio mas temem 'quebra geral'
Apesar de parte concordar com discurso de Bolsonaro, não vão contrariar decretos estaduais e municipais
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Mario Bitencourt
mario.bitencourt@redebahia.com.br
Empresários baianos e representantes de entidades de classe repercutiram o discurso do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a favor da reabertura do comércio e do fim do isolamento social por conta da pandemia do novo coronavírus.
O CORREIO conversou com algumas dessas pessoas que, de modo geral, preferem não dar declarações oficiais sobre o caso. Sob anonimato, alguns pontuaram que concordam com a visão do presidente, mas não se sentem confortáveis em contrariar os decretos do Governo da Bahia e das prefeituras. A maioria concorda que o fechamento do comércio pelo prazo de 15 dias pode até ser tolerado, mesmo com prejuízos milionários, mas a afirmação é a mesma: depois desse prazo, há grande risco de fechamento definitivo de muitas empresas. Ninguém, contudo, pretende reabrir o comércio ou quebrar o isolamento social. Segundo representantes das entidades e empresários, a reabertura seria um tiro no pé, pois os alvarás de funcionamento podem ser cassados pelas prefeituras, autoridades responsáveis em nível local. O empresário Paulo Mota, presidente do Sindilojas, entidade que representa mais de 145 mil comerciantes de rua na Bahia, foi o único que disse abertamente que concorda com as palavras de Bolsonaro, inclusive com a ideia de isolamento social apenas para pessoas com idade a partir dos 60 anos. “Só se gera emprego e renda com produção”, disse.
“Estou preocupado como princípio federativo composto pela União, Estados e Municípios, e, quando essa hierarquia falece, o caos se estabelece e o regime de exceção se apresenta pelo falecimento da hierarquia”, disse Mota, numa análise sobre o momento atual da relação entre os três poderes.
A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomercio) preferiu não comentar diretamente o discurso do presidente Bolsonaro, mas informou que “está apoiando as medidas governamentais e sempre atenta, cobrando medidas para minorar a crise que se abate sobre as empresas do comércio”. “Estamos seguindo todas as medidas do Estado e Prefeitura e cobrando ação dos governos, dos bancos”, declarou a Fercomercio em nota. Dentre as cobranças da entidade, estão o pedido de manter em operação serviços e estabelecimentos essenciais para o abastecimento mínimo necessário, sobretudo dos segmentos de alimentos, bebidas, saúde e higiene. Procuradas, a Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas (FCDL) e a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Salvador informaram que não vão se manifestar.
Em Feira de Santana, cidade que tem 9 casos confirmados de coronavírus, a CDL declarou que “jamais determinaria que os lojistas abrissem as empresas deliberadamente”, em resposta sobre a influência do discurso de Bolsonaro.“A quarentena é uma medida muito complicada para o comércio, e, por isso, estamos em diálogo constante com dirigentes federais, empresários locais e o governo municipal, para encontrarmos a melhor alternativa. Claro que o nosso desejo é reabrir o comércio e trabalhar para retomar a economia, fechar é a pior alternativa”, afirmou.A CDL de Feira de Santana informou que busca “um formato que cause menos danos para economia e mantenha as pessoas seguras, principalmente os idosos e quem faz parte do grupo de risco”. Nesta sexta-feira (27), haverá reunião com a Prefeitura de Feira de Santana para debater a abertura do comércio. A CDL de Vitória da Conquista declarou que é a favor das medidas de contenção da covid-19 determinadas pela Prefeitura local, e que não tinha posicionamento sobre o discurso do presidente Bolsonaro. O CORREIO procurou ainda as CDLs de Juazeiro, Itabuna, Ilhéus, Teixeira de Freitas e Porto Seguro, mas não obteve resposta. As seções baianas da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH) e da Associação Brasileira de Agências de Viagem (Abav) preferiram não comentar o discurso de Bolsonaro.
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Sem eco De parte das Prefeituras, sobretudo das que tiveram casos confirmados da covid-19, o efeito foi o contrário: todas vão continuar com as ações que já vem sendo adotadas, como fechamento de escolas públicas e privadas, comércio, bares e restaurantes, e recomendação de isolamento social para todas as idades. Em uma nota de repúdio, a União dos Municípios da Bahia (UPB) declarou que “assistiu com grande preocupação o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro”. “Após esforços concentrados em ações locais de conscientização da população para manter o distanciamento social, fechar escolas, rodoviárias e estabelecimentos comerciais, os prefeitos foram descredibilizados em rede nacional pelo presidente da República, em um ato contraditório das orientações dadas pelo seu próprio governo, através do Ministério da Saúde”, diz a nota. Para a UPB, “aos prefeitos baianos, o pronunciamento do presidente passou a sensação de que o Brasil está desgovernado, sem uma liderança coerente e responsável, que respalde as decisões dos gestores locais nesse momento de crise”. “Deixa a certeza de que, ao seguir seus delírios de que trata-se de uma ‘gripezinha’, serão as lideranças municipais criminalizadas pelas mortes diante da total falta de estrutura para atender casos graves como vêm sendo registrados em diversos países”. A UPB orienta que “os prefeitos sigam tendo responsabilidade com seus munícipes, garantindo o direito fundamental à vida, implementando as medidas necessárias já orientadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Governo do Estado da Bahia na contenção do vírus que deixa um rastro de morte por onde passa”. A Prefeitura de feira de Santana declarou: “o presidente não está com um discurso alinhado ao ministro da Saúde e demais autoridades da área. As recomendações do ministro, de apoio às restrições de circulação de pessoas, funcionamento de comércio, etc, estão absolutamente corretas. A quarentena para pessoas sob suspeita de ter o vírus é extremamente necessária. O isolamento social neste momento, por todos os cidadãos, idem, não apenas para os idosos”. Em Ilhéus, o secretário municipal de Saúde, Geraldo Magela, disse que “lamenta a falta de conhecimento do presidente Bolsonaro”. “Eu fiquei perplexo, e nossos funcionários estão atordoados por tanta bagunça que foi feita, sem sentido, fora de hora, tudo errado”. Magela afirmou que a Prefeitura de Ilhéus segue as recomendações do Ministério da Saúde e do Governo da Bahia. “A gente continua e vai reforçar as medidas. Estava tendo certa pressão dos empresários para relaxar as medidas, e agora, depois desse discurso, pode agravar essa situação da pressão”, declarou. Ilhéus teve um caso confirmado da Covid-19 nesta quarta-feira. Na cidade do sul da Bahia, a pessoa infectada com a doença é um médico do município que atuava na coordenação de ação de contenção contra a doença. O médico, que tem 40 anos e passa bem, está em isolamento, bem como outros cerca de 20 pessoas (entre familiares e colegas de trabalho) que tiveram contato com ele na última semana.
As prefeituras de Juazeiro (dois casos confirmados da doença) e Vitória da Conquista (sem caso confirmado) vão continuar com as medidas de contenção do coronavírus, e preferiram não comentar o discurso de Bolsonaro.
Conselho de Economia diz que fala de Bolsonaro é 'desconectada da realidade' Ao comentar o discurso do presidente Jair Bolsonaro, divulgado em cadeia nacional na noite de terça, o vice-presidente do Conselho Regional de Economia da Bahia, Gustavo Casseb, declarou que “é uma fala equivocada e desconectada da realidade e das ações do próprio governo”. O economista observou que o governo tomou medidas que foram aplaudidas por diversos governadores, inclusive o da Bahia, Rui Costa (PT), logo quando foram anunciados os primeiros casos da doença no Brasil. Para Casseb, o discurso do presidente teria de ser “endossando as ações iniciais” “Ele deveria falar isso: ‘Estamos fazendo tudo que é necessário, aumentamos o gasto público, diminuímos as obrigações de pagamento de curto prazo, aumentamos a disponibilidade de recursos para o sistema bancário’”. Em sua análise, o discurso do presidente aumentou a instabilidade na economia, que já vinha de bem antes da crise gerada pela covid-19. Casseb considera que os anos entre 2011 a 2020 são “uma década perdida” na área econômica por conta da baixa taxa média de crescimento da economia nacional e da redução dos investimentos. “A economia brasileira em 2011 e 2020 apresentou taxa de crescimento média mais baixa da história do Brasil. Se não tivesse o coronavírus, e a economia tivesse crescido o que o Ministério da Economia previa, que era 2,1%, fazendo essa taxa média com 2,1%, o crescimento médio da década seria de 0,8% e o acumulado em dez anos, de 8,4%. Então, já estávamos, antes do coronavírus, diante de uma situação vexatória, com uma economia paralisada, vivendo instabilidade e cujo investimento deixou de acontecer”, comentou. “Agora, as pessoas se perguntam: há exagero? Mas a economia já vinha andando em marcha lenta há muito tempo, com o coronavírus vai ser mais lento ainda, e espera-se uma ação mais firme do estado, como foi no início, mas que demonstrou não fazer no discurso de ontem. Discurso desconectado das ações do Ministério da Economia, se ele acha que o problema não é tão forte, porque as ações como bilhões para os estados? É uma fala que traz instabilidade para um sistema instável”, concluiu.