E a água levou: cidades do litoral perdem até 1 km de continente em dez anos
As cidades de Mucuri e Prado, no Sul do estado, decretaram situação de emergência nos últimos dois meses; erosão marítima destruiu ruas inteiras
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Thais Borges
thais.borges@redeabahia.com.br
Se você conheceu a Praia de Coqueiral, em Prado, no Extremo-Sul do estado, há mais de dois anos - e, desde então, não retornou -, talvez se assuste com a paisagem hoje. O recepcionista Nark Cleyton, da pousada Ponta de Areia, uma das mais antigas da região, ainda custa a acreditar na mudança que aconteceu, diante dos olhos de quem passa e de quem vive por ali.
“Antes, tinha uma rua na frente da pousada e a praia era bem distante. Dois anos atrás, uma ressaca destruiu até o restaurante que a gente tinha. Agora, na maré cheia, o mar fica a três, quatro metros da piscina”, conta. A rua que ‘não está mais lá’ ajuda a dar uma noção da gravidade: a Praia do Coqueiral é um dos locais mais afetados pela erosão marítima em Prado, que decretou situação de emergência em junho. Também no Sul do estado, a cidade de Mucuri decretou emergência devido à erosão em maio. Os dois municípios ilustram bem uma realidade presente em boa parte da costa baiana: em alguns locais, como a foz do Rio Jequitinhonha, em Belmonte, também no Sul, e do Rio Real, na divisa da Bahia e de Sergipe, a erosão levou a faixa de terra a diminuir até um quilômetro em dez anos.
Veja, abaixo, abaixo, a variação na foz do Rio Real, entre 1984 e 2006:
Os dados fazem parte de um estudo inédito dos professores José Maria Landim Dominguez, Abilio Carlos da Silva Pinto Bittencourt e Junia Kacenelenbogen Guimarães, do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia (Ufba). A pesquisa será publicada no livro Panorama da Erosão Costeira no Brasil, do Ministério do Meio Ambiente e editado pelo professor Dieter Muehe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A Ufba é responsável pelo levantamento nos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas e Paraíba e analisa os anos de 2006 e 2016. Ação fluvial A mudança na paisagem - e a consequente diminuição de certos pontos do litoral baiano são fruto de uma variação natural que ocorre nas áreas onde há desembocaduras fluviais. No caso de Prado e Mucuri, por exemplo, o litoral é a foz dos Rios Jucuruçu e Mucuri, respectivamente. Em dez anos, a área de continente das duas cidades foi reduzida em até 900 metros e 400 metros, respectivamente.
“Tanto pode ter erosão, que é um recuo da linha de costa continente adentro, como pode ter progradação, que é o avanço da linha de costa mar adentro. Toda região de desembocadura fluvial é muito instável, porque é um embate entre as ondas e o rio”, explica o professor José Landim. E a transformação é rápida: pode ser observada em poucos anos. Para dar uma ideia, as previsões de aumento do nível do mar devido ao aquecimento global indicam a subida de um metro em um século. Ou seja, em dez anos, o mar subiria ‘apenas’ 10 cm.
De acordo com Landim, dos mil quilômetros do litoral baiano, cerca de 250 quilômetros - ou seja, um quarto do total - são sujeitos às maiores variabilidades de linha de costa, associados a desembocaduras fluviais (veja no mapa, nos ícones em vermelho). Mas não quer dizer que o restante esteja fora de perigo, embora a mobilidade da linha seja menor. Em vermelho, no mapa, os trechos sujeitos a sofrer maior variabilidade - seja de erosão ou de progradação (Fonte: José Maria Landim Dominguez, Abilio Carlos da Silva Pinto Bittencourt e Junia Kacenelenbogen Guimarães, professores do Instituto de Geociências/Ufba) “Qualquer ocupação, entretanto, deve obedecer uma faixa de recuo, medida a partir da linha de preamar (maré alta), considerando os diferentes processos que ocorrem da linha de costa, na qual seria proibida a construção de edificações permanentes. A largura desta faixa deve ser determinada para cada trecho de linha de costa a ser ocupado”.
Hoje, não há nenhuma determinação na costa além da delimitação pertencente à União, de 33 metros, e de uma lei da Constituição estadual, de 1989, que proíbe construções particulares a menos de 60 metros a partir da linha de preamar. “A erosão é um processo natural, por isso, essas faixas (próximas ao rio) não devem ser ocupadas de maneira nenhuma. Tudo nessas faixas é vulnerável”, explica o professor. De acordo com Landim, a faixa de recuo de cada local deve ser calculada individualmente - há localidades onde ela pode chegar a mais de 200 metros.
A rua sumiu A rua que existia na frente da Pousada Ponta de Areia, em Prado, era a Avenida Beira Mar. Com seus quatro quilômetros de extensão, ela chamava atenção na costa do município - essa que, por sua vez, chega a 84 quilômetros.“A Beira Mar deixou de existir totalmente há dois meses, quando lançamos o decreto”, conta o secretário de administração de Prado, Luiz Dupin. Hoje, a avenida só existe na memória dos moradores, visitantes e do Google Street View. No recurso do Google, as imagens panorâmicas da região são de 2012.
Nas fotos, é possível ver carros estacionados. Hoje, para chegar à Ponta de Areia de carro, a entrada teve que mudar. “Tivemos que abrir uma rua atrás porque o carro não tem como passar. A praia praticamente não existe mais. Quando os hóspedes chegam, se assustam. Falam: ‘nossa, não acredito’, lembrando de como era e como está hoje”.Mas não para por aí. O resort La Isla, um dos maiores da região, fechou em 2015 devido à erosão, e segue em obras até hoje. Procurados pelo CORREIO, os representantes do empreendimento não se manifestaram. Em seu site, no entanto, uma mensagem anuncia as reformas no local. “Como o mar mudou, iremos acompanhar esse ciclo da natureza”, afirmam. O mapa mostra como Prado era em 2006, vista por satélite. Já a linha em vermelho indica como a linha da costa ficou em 2016 (Fonte: José Maria Landim Dominguez, Abilio Carlos da Silva Pinto Bittencourt e Junia Kacenelenbogen Guimarães, professores do Instituto de Geociências/Ufba) De acordo com o secretário Luiz Dupin, desde 2013, o impacto tem sido maior. Foi nesse período que a barra do Rio Jucuruçu foi em direção ao centro da cidade. A erosão, que acontecia principalmente no Balneário de Guaratiba, mudou de direção. “O mar começou a comer uma faixa litorânea muito grande. Estamos numa situação caótica. O La Isla perdeu boa parte da frente e quase todas as barracas de praia foram destruídas. É muito angustiante, porque a gente vê as pessoas passando dificuldades, e a geração de emprego e renda sendo ameaçada". O prejuízo em Prado chega a R$ 6,2 milhões, segundo a Defesa Civil do Estado (Sudec).
Prejuízo Em Mucuri, o prejuízo recente foi de R$ 6,1 milhões, também de acordo com a Defesa Civil. Quatro ruas horizontais, paralelas à praia, sumiram. Outras cinco transversais também. Pelo estudo dos professores do Instituto de Geociências da Ufba, a erosão na costa chegou a reduzir 400 metros, entre 2006 e 2016. O mapa mostra como Mucuri era em 2006, vista por satélite. Já a linha em vermelho indica como a linha da costa ficou em 2016 (Fonte: José Maria Landim Dominguez, Abilio Carlos da Silva Pinto Bittencourt e Junia Kacenelenbogen Guimarães, professores do Instituto de Geociências/Ufba) O administrador da pousada Kambuká, Adilson Júnior, já não sabe o que fazer. Com a pousada em funcionamento há 30 anos, os custos para mantê-la de pé desde 2010 só aumentaram. Só com matéria-prima – incluindo as pedras para fazer uma contenção na frente do empreendimento – já gastou cerca de R$ 550 mil. Além disso, ele estima que a ocupação tenha caído em até 80%, em oito anos. “Fora uma parte da pousada que o mar levou. Eu perdi uns 600 m² de área livre da pousada, que tem quase 6 mil m² no total. Hoje, qualquer ressaca marítima que vem entra água na nossa piscina”.
Segundo o prefeito de Mucuri, José Carlos Simões, o trecho mais crítico é uma distância que vai da beira da praia até a localidade chamada de Vila da Suzana. Em 10 anos, ele estima que o rombo já chegou a R$ 20 milhões, incluindo destruição total de hotéis, pousadas, casas e barracas.
[[galeria]]“Toda a cidade foi construída às margens da Orla. Nós percebemos que estávamos em situação de emergência quando mais um hotel, uma pousada e uma casa foram abaixo. Aí pensamos: ‘daqui a pouco vai ser a escola, o pronto socorro e o fórum, se a gente não tomar providência”.
A providência veio com o decreto de emergência. Tanto Mucuri quanto Prado já estão elaborando projetos de engenharia para submeter ao governo federal, a fim de angariar recursos para as obras. Na primeira, será uma obra de ‘engordamento da praia’ – aumentar a área de areia, enquanto a outra deve construir ‘espigões’ para contenção. “O decreto possibilita contratações emergenciais para contenções que venham retardar o avanço do mar. O que a gente tem observado é que a própria população tenta fazer esse trabalho colocando pedras, saco de areia e todo tipo de contenção, mas não resolve o problema. Então, é necessário fazer uma obra estruturante e contar com apoio da Defesa Civil nacional e do estado para dar uma resposta à população”, explica o superintendente da Sudec, Paulo Sérgio Menezes.
Uma obra de engordamento da praia, que é uma das que oferece melhores resultados hoje, segundo o professor Landim, pode chegar a R$ 50 milhões, em alguns casos. As intervenções já foram realizadas em cidades do Espírito Santo e em Jaboatão dos Guararapes (PE).