Documentos registram tremores de terra em Amargosa desde 1899
Um abalo sísmico tende a gerar outros tremores menores, por isso, novos terremotos devem ocorrer nos próximos dias na Bahia
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Marcela Vilar
marcela.vilar@redebahia.com.br
A terra tremeu de novo na Bahia na madrugada de segunda-feira (31), mais precisamente às 3h42 da manhã. Desta vez, o epicentro foi em Amargosa e teve magnitude de 3,5 na escala Richter, mesmo valor do primeiro registro de tremor de terra que se tem na cidade baiana, ocorrido em 1899. O terremoto foi sentido em pelo menos dez cidades do sudoeste do estado: Brejões, Elísio Medrado, Castro Alves, Varzedo, São Miguel das Matas, Santo Antônio de Jesus, Valença, Cachoeira, Lage e Valença.
O geofísico Eduardo Menezes, que integra o Laboratório Sismológico da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), explica que os tremores não são novos no Recôncavo Baiano, pois a região se encontra em uma falha geológica. São ao todo 42 falhas na placa tectônica Sul-Americana, onde o Brasil está localizado. Por conta de uma reativação dessas falhas, os tremores ocorrem de forma mais intensa.
“Há relatos e documentos de tremores de terra no Recôncavo com frequência no século passado. Só que instrumentalmente [pelo sismógrafo, aparelho que detecta terremotos] é o primeiro registrado. Isso é provocado por falhas geológicas que entram em atividade. Em alguma regiões, os esforços de separação entre os continentes - o Brasil e a África se distanciam por uma média de dois a três centímetros por ano - provocam tensões que são sentidas pela região do Recôncavo. Essas pressões desses esforços geram esses tremores”, esclarece o pesquisador.
De fato, há provas documentais em edições de jornais do final do século XIX e início do século XX de tremores na Bahia, principalmente em Amargosa. Os registros se estendem de 1899 até 1920. Menezes ainda afirma que cada abalo sísmico maior tende a gerar outros tremores de menor magnitude, por isso, ainda é possível que novos terremotos ocorram nos próximos dias.
“É uma coisa que não se tem como prever, mas o que se sabe, baseado em experiências de outras regiões, é que quando você tem um terremoto nessa ordem de grandeza você tem uma série de tremores de menor intensidade. A gente trabalha na hipótese de que vai continuar tremendo. Estatisticamente existe essa possibilidade em 90%”, analisa o geofísico.
A rede sismográfica brasileira tem 22 estações no Nordeste, sendo três delas na Bahia: uma em Itapé, Baixa Grande e Ponto Novo. Por conta dos sismos dessa última semana, a Laboratório da UFRN pretende instalar mais 8 a 9 estações na região de Amargosa. O motivo é que nem todas as estações conseguem enviar os dados à Universidade pela internet e o raio de captação de cada uma delas é de até 200 km para tremores a partir de 1,8 de magnitude na escala Richter. Menos que isso, não é possível ser registrado pelo aparelho. A partir dos 5 pontos na escala, qualquer sismógrafo do mundo consegue detectar o tremor.
A pesquisadora Simone Cruz, presidente da Sociedade Brasileira de Geologia, disse que ainda é cedo para tirar qualquer conclusão quanto a origem dos sismos. Segundo ela, a comissão do Instituto de Geociências da Ufba já está reunida para investigar os motivos dos terremotos. As hipóteses serão levantadas a partir do cruzamento de dados de informações geológicos e sismográficas.
O diretor-superintendente Paulo Sérgio Menezes, da Superintendência de Proteção e Defesa Civil (Sudec), informou que, aliado à Amargosa, as cidades mais afetadas na Bahia pelos tremores deste final de semana foram Mutuípe e São Miguel das Matas. Este último decretou estado de emergência por tremor de terra, com 50 casas rachadas, três delas completamente desabadas. “Pedimos à estas cidades que fizessem um relatório dos prejuízos que tiveram para a gente poder ajudar e realocar essas famílias que tiveram as estruturas das casas comprometida”, disse o superintendente.
Existem duas escalas hoje que medem a magnitude e intensidade dos terremotos no mundo. A escala Richter, mais conhecida, se baseia em registros sismográficos para medir a quantidade de energia liberada pelo terremoto. Sua escala vai de 1 a 9. Já a Escala Mercalli varia de I a XII e é uma escala de intensidade que mede os danos produzidos nas estruturas e percebido pelas pessoas nas imediações do abalo. Quanto mais próximo do epicentro, maiores os estragos, se houverem construções. Entenda as escalas no final da matéria.
População acordou assustada “Esse novo tremor foi registrado pelo Laboratório Sismológico da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e também pela população. Muitas pessoas da cidade relataram acordar assustadas. Desde ontem [domingo] nossa equipe da Guarda Municipal tem estado em campo. Houve avarias nas casas como rachaduras em paredes e nos telhados, mas nenhum caso grave ”, afirma o prefeito de Amargosa Julio Pinheiro.
Pinheiro afirma que os estragos - que não passaram de fissuras, rachaduras e telhas deslocadas - atingiram pelo menos oito casas e uma igreja da zona rural do município, entre as comunidades de Alto Seco e Corta Mão. Elas ficam próximas à Mutuípe, epicentro do primeiro tremor do domingo, que teve magnitude de 4,6 e foi sentido em 43 cidades baianas. Esse sismo fez com Amargosa fosse a cidade mais afetada nesses últimos dois dias: pelo menos 11 terremotos foram registrados, que variaram de 1,6 a 4,2 na escala Richter (veja a lista completa dos terremotos no final da matéria).
“Eu estava dormindo, quando foi 1h e pouca da manhã tremeu um pouco, mas foi bem fraco. Às 3h20, a cama tremeu e balançou e acordou todo mundo da casa. Mais tarde deu um mais forte ainda, que balançou tudo aí todo mundo se levantou e foi pra rua. É assustador, é uma sensação de impotência saber que está acontecendo aquilo e a gente não pode fazer nada. Dá medo das coisas desabarem e caírem em cima da gente... É horrível”, disse a moradora de Corta Mão Ramynes Dos Santos Xavier, 19 anos. A parede de sua cozinha rachou e algumas telhas da casa da tia, que é vizinha dela, caíram. Ninguém ficou ferido.
Já a engenharia civil Valéria Santana, 23 anos, que mora em Elísio Medrado, sentiu a o vidros das janelas tremerem por volta das 3h40 da manhã. “Senti a janela, que é de vidro, balançar muito. Foi a sensação igual a de domingo, assustadora, mesmo tendo noção do que está acontecendo. Minha vizinha, que é hipertensa, passou mal, chegou apavorada aqui em casa, quase desmaiando. Ela estava verde. Foi um grande susto”, narrou a engenheira.
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Terremotos registrados em Amargosa no domingo e na segunda, segundo o laboratório sismográfico da UFRN:
DATA HORA (utc) Coordenadas Magnitude Localização 2020/08/30 10:43 -13.00 S; -39.58 W 2.5 mR Amargosa BA 2020/08/30 10:44 -13.00 S; -39.58 W 4.2 mR Amargosa BA 2020/08/30 11:18 -13.00 S; -39.58 W 3.7 mR Amargosa BA 2020/08/30 11:25 -13.00 S; -39.58 W 2.7 mR Amargosa BA 2020/08/30 11:57 -13.00 S; -39.58 W 2.8 mR Amargosa BA 2020/08/30 12:08 -13.00 S; -39.58 W 2.3 mR Amargosa BA 2020/08/30 12:11 -13.00 S; -39.58 W 2.2 mR Amargosa BA 2020/08/30 12:21 -13.00 S; -39.58 W 1.8 mR Amargosa BA 2020/08/30 13:41 -13.00 S; -39.58 W 1.6 mR Amargosa BA 2020-08-30 20:12 -13.00 S; -39.58 W 2.6 mR Amargosa BA 2020-08-31 03:42 -13.00 S; -39.58 W 3,5 mR Amargosa BA Escala de magnitude dos abalos sísmicos de acordo com a escala Richter. Crédito: UFRN Escala de intensidade dos abalos sísmicos de acordo com a escala Mercalli. Crédito: UFRN *Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro