Afinal, pode ou não pode comer peixe? Pesquisadores divergem de anúncio sobre liberação
Ministério da Agricultura tinha anunciado a liberação do consumo; conheça opções para substituir o alimento
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Mario Bitencourt
mario.bitencourt@redebahia.com.br
A divulgação por parte do Ministério da Agricultura de que os peixes recolhidos nas praias baianas atingidas pelo óleo estão “próprios para o consumo” foi contestada por pesquisadores e deixou muitos baianos em dúvida: comer ou não os pescados?
Coordenador do laboratório da PUC-RJ e responsável pela pesquisa em que se baseou o órgão do governo federal, Renato Carreira alerta para o perigo de generalizações. “Esses dados que foram divulgados no laudo devem ser vistos como específicos para aquele lote de amostras. O que a gente encontrou no laudo é que tem pouca concentração de hidrocarbonetos [HPAs], mas não vale para toda e qualquer amostra do Nordeste. É importante que continue o trabalho de análise”, disse ele, reconhecendo, em seguida, que a quantidade analisada “é bem pouca”.
Os pesquisadores viram 21 amostras de peixes e lagostas coletados na Bahia, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte. O resultado de 12 dessas amostras já foi divulgado - o que resultou na divulgação do ministério -, e conclusões sobre as outras nove ainda são aguardadas.
No lote analisado estão peixes como garoupa e dourado. Nas que ainda serão estudadas, há também moluscos, como ostras, que, por exercerem um papel de “filtro” nas áreas de mangue, acumulam mais o óleo.
Para informar no laudo que as 12 amostras possuem níveis baixos de concentração de HPAs, Renato Carreira comparou os dados com os de uma pesquisa dos Estados Unidos, relativa ao impacto na vida marinha causado pelo derramamento de petróleo no golfo do México, na costa do estado de Louisiana, em 2010.“O que eu recomendo ao consumidor é procurar pescados em áreas conhecidas e verificar o odor, que é bem característico, ou abrir o peixe para ver se tem óleo. No peixe, mesmo se lavado por alguém, o odor é muitas vezes identificado”, afirmou o estudioso.Em comunicado ao CORREIO, o Ministério da Agricultura declarou que “as coletas continuam para o monitoramento e, caso seja identificado eventual risco, o mesmo será comunicado à sociedade”.
A Secretaria de Defesa Agropecuária informou nessa terça-feira (12) que “essas garantias dadas pelo Ministério da Agricultura referem-se, exclusivamente, a peixes e lagostas oriundas do Serviço de Inspeção Federal (SIF)”.
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Pesquisas Na Bahia, estão sendo desenvolvidas duas pesquisas sobre a contaminação do pescado por petróleo cru, ambas na Universidade Federal da Bahia (Ufba). Uma por parte do Instituto de Biologia e outra pelo Laboratório de Estudos do Petróleo (Lepetro), do Instituto de Geociências.
O estudo do Instituto de Biologia se concentrou num trecho de cerca de 20 km do Litoral Norte da Bahia, entre os recifes de corais das praias do Forte, Itacimirim e Guarajuba. Foram coletadas 50 amostras de animais como polvo, siri, caranguejo e mexilhão. Apenas seis dos animais coletados como amostras estavam vivos.
“O que vimos é que eles tinham óleo no sistema digestivo e respiratório, e em alguns casos nos dois sistemas. Então, o que dá para concluir é que eles morreram por conta da contaminação do óleo. Então, minha recomendação é cautela no consumo dos animais dessa área pesquisada”, declarou o diretor do Instituto de Biologia da Ufba, Francisco Kelmo, que informou que as amostras foram coletadas entre 25 e 27 de outubro.
Ao comentar sobre a divulgação do Ministério da Agricultura, o diretor disse que “a quantidade de amostras é muito pequena para se ter alguma garantia de consumo segura”. Ele informou que, na Bahia, será feita uma análise sobre perda de biodiversidade e da qualidade da água para o desenvolvimento dos recifes. Os resultados devem ser divulgados no dia 21.
Próximo dessa data, no dia 23, deverá ser divulgado o resultado das pesquisas realizadas pelo Lepetro, encomenda pela Bahia Pesca, órgão estadual.
Mais coletas Estão sendo analisadas 53 amostras de quase 200 indivíduos. Outras 27 amostras devem ser disponibilizadas nos próximos dias. As coletas foram feitas nas cidades de Jandaíra, Conde, Entre Rios, Camaçari, Caravelas, Salvador, Maraú, Itacaré, Ilhéus, Canavieiras, Belmonte, Prado, Alcobaça e Santa Cruz Cabrália.
Serão recolhidas ainda amostras em Vera Cruz, Ituberá, Jaguaripe, Valença, Nilo Peçanha, Cairu, Camamu e Taperoá. As amostras começaram a ser colhidas em 23 de outubro, com previsão de término no próximo dia 19.
Segundo Olívia Maria Cordeiro de Oliveira, vice-diretora do Lepetro, primeiro serão entregues os resultados das análises feitas em amostras de siri, caranguejo e peixes coletados no Litoral Norte baiano. Mauro Akin Nassor/ CORREIO “Não podemos falar ainda em resultados. O que podemos dizer é que estamos tendo como referência para análise várias literaturas internacionais sobre o tema, as quais serão usadas como comparação sobre os níveis de óleo que porventura sejam encontrados nos animais”, disse ela.
Prejuízo Enquanto não sai o resultado das coletas realizadas pela Bahia Pesca, os cerca de 2 mil pescadores e marisqueiros da região de Canavieiras, no sul da Bahia, estão sem conseguir vender o pescado e, mesmo ainda sem uma garantia de que não há contaminação, estão consumindo o que coletam na área da Reserva Extrativista.
“Desde que foi anunciado em rede nacional que o petróleo chegou aqui, mesmo ainda sem ter de fato chegado, que estamos tendo é prejuízo. O que posso garantir é que o que estou consumindo e coletando não está contaminado”, disse o presidente da Associação Mãe dos Pescadores Extrativistas de Canavieiras (Amex), João Gonçalves de Santana.
Ainda de acordo com Santana, “tem gente quase passando fome já por conta dessa situação”. Para ele “o resultado desses exames tem de sair logo, demora demais”. O pescador informou que foram coletadas na região de Canavieiras cerca de 30 toneladas de petróleo cru, colocado nas imediações de uma escola municipal. O CORREIO tentou contato com a Prefeitura de Canavieiras para comentar o assunto, mas não conseguiu.
Produção Segundo a Bahia Pesca, no estado há 130 mil pescadores e marisqueiros que coletam por ano 120 mil toneladas de peixes e mariscos. O órgão informou, contudo, que não houve registro de queda na produção por conta da chegada do petróleo cru ao litoral baiano.
As espécies mais pescadas são tilápia, tambaqui, surubim, tambacu, pirarucu, traíra, tucunaré, camarão, sardinha, vermelho, arraia e carapeba. A Bahia Pesca informou que não houve registro de queda na produção por conta da chegada do petróleo cru no litoral baiano.
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho da UFBA, a médica epidemiologista Rita de Cássia Franco Rêgo disse que a classe dos pescadores artesanais é composta por pessoas que vivem na linha da pobreza. Ela realiza pesquisas sobre o assunto há 12 anos.
“A média de faturamento é de R$ 68 por semana, eles vivem com isso, o que ganha gasta. Já tinham uma renda baixa, e há três anos o governo federal tirou o Seguro Defeso, deixou de fazer o cadastramento, então muitos deles deixaram de ser cadastrados como pescadores e marisqueiros”, comentou.
Para a pesquisadora, os pescadores e marisqueiros “vivem uma situação de emergência, estão sendo os mais prejudicados. Soma-se essa contaminação ao fato de a imprensa estar anunciando que todo o pescado está contaminado, então a população deixa de comprar. Creio que estão passando fome”.