'Acompanhamento psicológico é decisivo para prevenir o suicídio', diz psicóloga
Em 2018, cinco policiais militares se mataram na Bahia
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Thais Borges
thais.borges@redeabahia.com.br
Em todos os casos de suicídio, existe um fator em comum: um sofrimento psíquico extremo, associado a uma grande desesperança. É o que afirma a psicóloga Soraya Carvalho, coordenadora do Núcleo de Estudo e Prevenção do Suicídio (Neps), do Centro Antiveneno da Bahia (Ciave) ligado à Secretaria Estadual de Saúde (Sesab).
Em 2018, cinco policiais militares se mataram no estado. De acordo com a associação da categoria, a Aspra, foram sete casos em 2017 e nove, em 2016.
Sobre o tema, Soraya concedeu ao CORREIO a entrevista a seguir, por email. Confira:
O suicídio está sempre associado a casos de doenças psicológicas ou uma pessoa que não tenha sintomas de doença pode tirar a própria vida? Quais as doenças mais associadas? O suicídio é, antes de tudo, uma manifestação humana, uma forma de lidar com o sofrimento ou mesmo uma saída para a dor de existir. Entretanto, a dor de existir é inerente à condição humana, à condição de estar vivo, de estar no mundo. Acontece que determinadas contingências da vida podem levar a dor de existir ao limite do intolerável, do insustentável, levando algumas pessoas a se precipitarem em um ato suicida. Desta forma, embora alguns estudos mostrem uma elevada correlação entre suicídio e transtorno mental, nem todas as pessoas que tiram a própria vida estão acometidas por doenças mentais, mas em todos os casos observa-se um sofrimento psíquico extremo, associado a grande desesperança.
O suicídio é um fenômeno multifatorial, que envolve fatores externos ou precipitantes, que funcionam como um gatilho; fatores internos ou predisponentes, que envolvem a história de vida, alguns traços de personalidade, como por exemplo a impulsividade e alguns transtornos mentais; fatores sociais e alguns autores também fatores genéticos.
Entre os transtornos mentais mais frequentemente associados ao suicídio estão a depressão, como prevalente, a esquizofrenia e a dependência química. Soraya Carvalho (Foto: Evandro Veiga/ Arquivo CORREIO) Associações de PMs afirmam que o atendimento psicológico oferecido pela corporação é feito por oficiais - psicólogos, mas oficiais - e isso faria com que os atendidos não se sentissem à vontade e até prejudicasse o tratamento. Como deve ser o atendimento a policiais com algum transtorno psicológico? Quando alguém busca ajuda de um profissional para seus problemas existenciais, a relação que será estabelecida entre o paciente e o psicoterapeuta, será decisiva para o sucesso do tratamento. Sabemos, todavia, que este profissional deve ter uma postura de neutralidade, acolhimento e manter sua promessa ética de sigilo. A corporação da Polícia Militar conta com profissionais psicólogos sérios e eticamente comprometidos, que têm buscado uma parceria com o Neps, mas, apesar da louvável preocupação da PM em ofertar tratamento psicológico aos seus policias, o fato de serem realizados por oficiais, já torna, de antemão, uma relação onde não há neutralidade, principalmente por haver uma hierarquia entre as partes, que a meu ver, já compromete o curso do tratamento.
O quanto o acompanhamento psicológico pode prevenir um suicídio em uma carreira como a de um PM? Como ser de linguagem, o humano, ao se deparar com o inefável da existência, isto é, com situações diante das quais ele se vê impotente, sem alternativa, “sem palavras”, situações geradoras de muita angústia, ele tem três alternativas: falar, adoecer ou atuar. Desta forma, um acompanhamento psicológico/psicanalítico é decisivo para prevenir qualquer suicídio, isso porque, ao permitir que o sujeito fale de suas angústias e de seu sofrimento para alguém que vai escutá-lo sem julgamentos, com atenção, neutralidade e interesse, permitirá que ele possa falar no lugar de atuar ou de adoecer. A maioria das pessoas que querem morrer, na verdade, não querem viver, querem matar a dor. Uma dor na alma, como muitos dizem, mas que faz ecos no corpo. Esperam, a princípio que esta dor se dissipe.
Como isso não acontece, com o passar do tempo, começam a desejar o acontecimento de algo trágico como um acidente ou uma doença terminal. Quando cansam de esperar que o destino se encarregue de cessar seu o sofrimento, decidem tirar a vida com as próprias mãos. Portanto, um acompanhamento psicológico ou psicanalítico podem ser cruciais para evitar uma morte precoce, pois poderá levar o sujeito a encontrar outras formas de lidar com sua dor, impedindo, assim, que chegue ao limite e veja a morte como única saída. Vale salientar que, frequentemente, é necessário associar o acompanhamento psiquiátrico ao psicológico, porque em muitos casos, quando o sujeito é levado a um tratamento (digo ser levado, porque essas pessoas dificilmente buscam ajuda por conta própria) os medicamentos irão auxiliar a amenizar o quadro.
Um PM que tenha tentado suicídio deve ser afastado de suas atividades? E algum com transtornos psicológicos? Quando alguém decide tirar a própria vida e chega ao ato, ainda que não tenha sido um suicídio consumado, uma tentativa de suicídio, independente do método utilizado, é sempre um ato radical. Deixa marcas, traz consequências e muitas vezes “sequelas” psicológicas. Isso sem falar no estigma e nos sentimentos ambivalentes desencadeados no sujeito, na família e no seu meio social. Por isso, qualquer pessoa que tenta o suicídio deve ser afastada de suas atividades por um período, para que ela possa dispor de um tempo para se “refazer”. Este período de afastamento necessário, todavia, depende de cada caso. Algumas vezes pode durar semanas, meses ou anos.
O importante é saber que a tentativa de suicídio é um dos principais fatores de risco de suicí dio, isso porque, 50% das pessoas que cometeram o suicídio, fizeram uma tentativa anterior. Por esta razão, todo aquele que tenta o suicídio deve ser levado para uma avaliação e acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico. Isso vale também para os policiais militares. Além disso, considerando as características do trabalho de um policial, submetidos a situações de muito estresse e vulnerabilidade, e se o policial sofre de um transtorno mental, não é indicado que ele exerça as atividades inerentes a sua função, principalmente aquelas desenvolvidas nas ruas.