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80% dos bandidos mais perigosos da Bahia atuam no interior


 

Dos 52 integrantes do Baralho do Crime, apenas 10 agem na capital

  • Da Redação

Publicado em 13/11/2018 às 04:00:00
Atualizado em 19/04/2023 às 03:37:08
. Crédito: Foto: Amana Dultra/Arquivo CORREIO

As cartas do Baralho do Crime, ferramenta da SSP-BA que ajuda a localizar bandidos foragidos (Foto: Amana Dultra/Arquivo CORREIO) Oito em cada dez bandidos listados pela Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA) como os mais perigosos da Bahia atuam no interior. O levantamento foi realizado com base no Baralho do Crime, ferramenta do governo que reúne os 52 homens e mulheres mais violentos do estado. A maioria é procurada por envolvimento em homicídios e com o tráfico de drogas.

Na semana passada, a SSP-BA anunciou a atualização de 11 das 52 cartas. Feira de Santana lidera a lista dos municípios interioranos com o maior número de bandidos de alta periculosidade. São cinco procurados. A cidade fica atrás apenas de Salvador, com 10. Feira é seguida por Candeias (4), Jequié (4), Teixeira de Freitas (3) e Vitória da Conquista (3).

O Baralho do Crime foi criado para estimular a população a ajudar a polícia na busca dos criminosos mais procurados pela polícia. Ele é atualizado conforme as prisões e mortes dos integrantes da lista. 

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William Santos Santana, o Choquito, por exemplo, foi preso no final do mês passado em Eunápolis, no Sul do estado. Ele era o Rei de Espadas do baralho e foi substituído por Edson Valdir Souza Silva, suspeito de ter matado cinco pessoas em Maiquinique, no Sudoeste, por disputas pelo tráfico de drogas na região. 

Apesar de uma operação especial organizada por policiais da 21ª Coordenadoria Regional de Polícia do Interior (Coorpin/Itapetinga) para prendê-lo, ele fugiu e entrou para o baralho na semana passada.

Leia também: Onze criminosos passam a fazer parte do Baralho do Crime; veja

Uma moradora de Jequié, Sul do estado, contou ao CORREIO que ao lado de sua casa, na região central da cidade, funciona um ponto de vendas de drogas. “Nós moradores nos sentimos inibidos de denunciar com medo de represálias deles, já que na polícia daqui existe muito pouco efetivo”, relata a moradora. O nome dela não foi divulgado por conta de sua segurança.

A sensação de medo também está presente no cotidiano da farmacêutica Lilian Brandão, 26 anos, que reside há 15 anos na cidade de Barreiras, no Extremo Oeste. Segundo ela, o município está está “extremamente violento”. “O que a gente mais teme é que nossos irmãos mais novos se envolvam com o tráfico, que está cada dia mais presente nas nossas vidas”, lamentou.

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Transbordamento e transferência de criminalidade A maior presença dos criminosos no interior do estado é explicada pelo professor do curso de Direito da FTC, Leandro Vargas, como um transbordamento e transferência da criminalidade.

A presença da polícia na capital e grandes metrópoles afasta, de acordo com ele, os criminosos e as organizações para o interior. "Nos municípios maiores, a polícia tem maior nível de investigação e policiamento ostensivo. Isso acaba tirando as pessoas que cometem delitos da zona de conforto. A tendência é que eles comecem a fazer essa transferência, essa ida aos interiores porque lá a polícia é menos equipada, tem um sistema de segurança menos atuante", disse.O professor ainda destacou que a tecnologia auxilia os criminosos em dar ordem de comando de qualquer lugar. "Eles não precisam estar próximos da rede criminosa para dar ordens. Hoje, com a internet, eles conseguem fazer a dinâmica antiga de coordenar a organização mesmo de longe. Agora eles conseguem monitorar tudo mesmo distantes", concluiu.

A dificuldade do controle do tráfico de drogas no Brasil, de acordo com Vargas, tem muita influência das dimensões do país. "A Bahia tem o tamanho da França. Até para proteger todas as fronteiras do estado não é fácil. E além da via terrestre, ainda tem o acesso litorâneo que dificulta ainda mais esse controle", ressaltou.

Para que a situação seja solucionada, o professor acredita que deva existir uma integração e cooperação forte entre governo federal, estadual e municipal."Mesmo que a segurança seja papel do estado, as pessoas moram nos municípios. Não consigo buscar uma solução que não seja através de cooperação. A Polícia Federal, por exemplo, trabalha com o que há de melhor de inteligência investigativa, com maior aparato tecnológico, conhecimento e preparo", comenta ele."A gente precisa, através desse conhecimento, aliar a polícia ostensiva - civil e militar - e fazer um trabalho de colaboração das guardas municipais para que a segurança pública ganhe um reforço significativo", complementa Vargas.

O professor ainda ressaltou que medidas que valorizem a cidadania também são importantes, para tratar a questão em seu epicentro. "Não podemos esquecer que é muito importante trabalhar a educação, saneamento, iluminação pública, escolas, creches. Ter escola de tempo integral ajuda, por exemplo, a manter as crianças ocupadas e fazer com que elas não virem um alvo fácil dessas organizações", finalizou.

Interiorização O advogado criminalista, policial da reserva e integrante da Associação de Policiais e Bombeiros e de seus Familiares (Aspra), Dinoermeson Tiago, destacou que existem cidades em que apenas dois homens realizam o policiamento ostensivo e que essa falta de estrutura das polícias nos municípios serve de incentivo para a bandidagem.

“Um dos fatores que contribuiu para que esses criminosos migrassem para o interior é a ausência de policial em algumas cidades”, destacou.

Dinoermerson ainda acredita que a valorização do policial, a compra de material bélico e a realização de concursos para policiais atuarem no interior é essencial para o combate ao tráfico de drogas e homicídios.“Uma pessoa do interior hoje pode gerir o crime em todo o estado. Um dá apoio ao outro e está tudo interligado. As facções estão mais organizadas e a polícia, menos. Eles se organizam através do dinheiro que eles movimentam. Compram tecnologia, armamento. Isso na contramão do que acontece com os policiais, que é o que a SSP deveria fazer”, pontuou.Em agosto do ano passado, o CORREIO contou como a facção Bonde do Maluco surgiu de dentro do Pavilhão V do Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador. Sob o comando de José Francisco Lumes, o Zé de Lessa, o grupo se ramificou por diversos bairros da capital e municípios da Região Metropolitana.

Zé de Lessa é o Ás de Ouro e atua em tantas regiões que não existe um município específico para ele no Baralho do Crime. Ele e Antônio Moreira de Costa Júnior, o Tentem ou Junior do Gás, são os únicos nessa situação. Esse último age, principalmente, em municípios do Recôncavo e cidades como Sapeaçú, Castro Alves, Conceição do Almeida e Feira de Santana.

Autonomia Para o presidente do Sindicato dos Policiais Civis da Bahia (Sindipoc), Marcos Maurício, essa foi uma situação particular. Ao contrário da Aspra e do professor especialista, ele acredita que, na maioria dos casos, as facções que atuam no interior surgem nos próprios municípios e têm uma autonomia das organizações da capital.

Maurício defende que são necessários mais investimentos em segurança e em outras áreas, como educação e desenvolvimento humano, para conseguir reverter o quadro.“A Bahia tem 416 municípios, além de Salvador, então é natural que o interior tenha o maior número de bandidos sendo procurados, mas o que acontece é que os criminosos sabem que vale a pena agir na Bahia porque o nível de elucidação dos casos é muito baixo, e essa não é uma questão de falta de pessoal. O que precisa mudar é o modelo de segurança pública”, disse.O presidente do Sindpoc defende que haja mais capacitação de pessoal e sugere que a polícia reveja os métodos de investigação. “É preciso potencializar a investigação e trabalhar a prevenção, e para fazer isso, educação, saúde e desenvolvimento humano são indispensáveis”, afirmou.

Para Marcos Melo, professor de Direito e presidente da Comissão Especial de Sistema Prisional e Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA), não é possível especificar com precisão se as facções criminosas surgem no interior ou se são extensões da capital, e frisou que os problemas envolvem questões sociais.“Enquanto a sociedade entender que a violência deve ser combatida com mais violência, esse cenário não vai mudar. O estado não pode se fazer presente somente através das armas. Não existe um lugar no mundo em que isso tenha dado certo. A falta de estrutura das policiais no interior, por exemplo, contribui, mas não é a razão da criminalidade”, observou Melo.O professor enfatizou a necessidade de políticas públicas para evitar que os jovens sejam cooptados pela criminalidade e disse que a desigualdade social, a apologia à violência e a deficiência na educação corroboram para a proliferação das facções. “A questão é muito mais complexa do que se imagina”, destacou.

Outro lado Em nota, a SSP-BA ressaltou que o baralho foi criado em 2011 para expor, de uma forma diferente, os criminosos mais procurados. “Nestes sete anos, 108 criminosos foram capturados e 42 terminaram morrendo em confronto”, diz a nota.

A pasta também afirmou que muitos dos integrantes do baralho acabam buscando esconderijos em áreas rurais do interior ou em outros estados, tentando escapar da polícia. “A SSP destaca ainda que a média de elucidação da Polícia Civil da Bahia está acima da nacional e que o trabalho, em alguns casos envolvendo alvos do Baralho, é realizado em conjunto com outras forças”, conclui a nota.

Mulheres As mulheres ainda não minoria entre os bandidos mais perigosos, mas três estão na mira dos policiais. Na semana passada, Cláudia de Jesus Santos, a Gagai, entrou para a lista dos mais procurados. Segundo a SSP-BA, ela é uma das principais traficantes de drogas de Feira de Santana e, por isso, ocupa a posição de 2 de Paus no Baralho do Crime. 

Em janeiro do ano passado foi a vez de Jasiane Silva Teixeira, 29, a Dona Maria, integrar a mesma lista. Segundo a polícia, é ela quem comanda a facção Bonde do Neguinho (BDN), em Vitória da Conquista, no Sudoeste.

Dona Maria é procurada por tráfico de drogas e homicídio. Entre os processos, está a morte de um agente penitenciário, em Jequié. Segundo os investigadores, ela assumiu o comando o tráfico de drogas depois que o companheiro dela, Bruno de Jesus Camilo, o Pezão, fundador do Bonde do Pezão, morreu em confronto com a polícia, em 2014.

Depois da morte de Pezão, houve um racha entre vários grupos que eram ligados a ele e isso desencadeou uma disputa acirrada, com muitas mortes, em Conquista. Dona Maria assumiu a liderança de uma das organizações, articulou alianças e ampliou a atuação para Jequié, quando a facção passou a se chamar Bonde do Neguinho (BDN).

Já o 10 de Copas é ocupado por Marisangela Soares de Sousa, a Mari ou Coroa. Segundo a polícia, ela é um dos 10 criminosos de alta periculosidade que atuam em Salvador, liderando o tráfico de drogas na região da Cidade Nova. Mari foi companheira do também traficante Eberson Souza Santos, Piti, morto em 2007, e foi incluída no Baralho do Crime em setembro de 2017.

Mortes O coordenador regional de Polícia Civil de Feira de Santana, delegado Roberto da Silva Leal, ressaltou que a grande maioria dos homicídios da cidade - que aparece em segundo lugar em número de criminosos procurados no Baralho - é relacionada ao tráfico de drogas. “A motivação que a gente mais vê é o tráfico de drogas. Principalmente porque os traficantes disputam áreas na cidade e isso se agrava”, disse.

A ligação para ele é tão visível que em outubro houve uma redução brusca de homicídios. De acordo com Leal, a diminuição foi resultado das apreensões de drogas expressivas dos meses anteriores.“A gente vê, principalmente pelas apreensões que são feitas, que as drogas entram em Feira por via terrestre. A maioria vem do Sul do país. Esse ano foi um dos que mais se apreendeu drogas aqui e a gente percebe a presença de drogas novas na cidade, que antes não entravam tanto, como ecstasy e LSD”, destacou.Luiz Henrique, 37, que mora em Feira de Santana há uma década, acredita que a localização estratégica da cidade no estado influencia na criminalidade. “Aqui é mais fácil cometer um crime e fugir para outros locais. Em alguns bairros é inseguro transitar por conta do tráfico”, disse, ressaltando que deveria haver mais investimento em segurança pública.

Segundo o Atlas da Violência de 2018, divulgado em junho deste ano, o número de homicídios na Bahia dobrou nos últimos dez anos. O levantamento foi feito entre 2006 e 2016 e aponta que há 12 anos o número de assassinatos era de 23,7 para cada 100 mil habitantes. Agora, saltou para 46,9 para a mesma quantidade de baianos. A variação é de 97,8%.

O estudo indica que nesses dez anos, o Brasil sofreu aumento de 23,3% no número de assassinatos de jovens (pessoas com idades entre 15 e 29 anos). A taxa de 218,4/100 mil baianos mortos é maior que o índice nacional de 122,6/100 mil. Além disso, cinco das dez cidades mais violentas do Brasil estão na Bahia.

A SSP-BA contestou os números do levantamento na época e disse, em nota, que a metodologia desfavorece os estados nordestinos ao não levar em consideração que eles contam as ocorrências usando uma metodologia diferente.

No que diz respeito à morte de jovens, a secretaria pediu uma maior participação dos municípios para propor ações sociais que ofereçam novas perspectivas, como mais oportunidades de emprego, para evitar que os adolescentes se envolvam com o tráfico de drogas.

Quem tiver qualquer informação sobre algum dos procurados pode entrar em contato com o Disque Denúncia nos telefones (71) 3235-0000 ou 181. O sigilo é garantido.

O CORREIO procurou o Ministério Público da Bahia (MP-BA) para saber mais da atuação da entidade no estado, mas não obteve respostas até o fechamento desta matéria.