Assine

80% das famílias de favela dependem de doações para sobreviver


 

Baianos criaram redes de arrecadação de alimentos para ajudar pessoas em vulnerabilidade

  • Da Redação

Publicado em 19/04/2021 às 07:00:00
Atualizado em 22/04/2023 às 04:53:08
. Crédito: Foto: Nara Gentil/CORREIO

A professora de educação física Moema Ribas, 48 anos, ficou sensibilizada com o áudio que o marido recebeu de uma colega de trabalho em abril do ano passado, início da pandemia do coronavírus. Ele ensinava em uma escola municipal e uma senhora, auxiliar de limpeza terceirizada, ficou desempregada. No áudio, relatava a situação difícil que vivia, pedindo ajuda até com uma cesta básica. 

Uma pesquisa do Data Favela realizada em fevereiro revelou que 80% dos moradores das favelas dependem de doações para sobreviver no país. Essa realidade fez com que as pessoas se tornassem mais solidárias. A Bahia não é exceção e Moema é um exemplo disso.

Após ouvir o áudio, ela decidiu passar a mensagem para amigos e para um grupo de pais da escola particular onde ensina. Logo, as pessoas se mobilizaram e a ajuda surgiu. Moema sentiu que não podia parar ali. Soube de um amigo empresário que doava alimentos a pessoas em situação de rua e entrou em contato com ele. Hoje, ela administra uma modesta rede de doações que, semanalmente, arrecada alimentos que são usados para o preparo das quentinhas que esse amigo distribui aos sábados.

Como Moema, outros baianos também se tornaram mais solidários durante a pandemia. Para se ter uma ideia, o Salvador Invisível, projeto que ajuda pessoas em situação de rua, costumava arrecadar cerca de R$ 6 mil anuais para desenvolver suas ações. Em 2020, esse valor pulou para R$ 90 mil, um crescimento de 1500%. Alguns até já incorporaram as doações ao seu orçamento mensal e pagam o boleto todo mês, como se fosse uma conta de luz ou de água. Moema Ribas foi sensibilizada por áudio que uma colega de trabalho do marido enviou (Foto: Acervo Pessoal) É o caso da professora universitária aposentada Maria Claudia, de 75 anos (o nome é alterado, pois ela preferiu não se identificar). Antes da pandemia, ela fazia doações a uma entidade de proteção animal e também à Médico Sem Fronteiras. "A covid me arregalou os olhos para o problema da fome. Vejo coisas de arrepiar, fico em pânico quando vejo a situação de algumas pessoas, revirando o lixo, gente desempregada, que não tem o que comer", disse a  professora ao pensar na situação.Maria Claudia já incorporou ao seu orçamento mensal a doação de R$ 50 à Associação Dom Bosco, que fica no bairro de São Cristóvão. Todos mês faz a transferência pela plataforma PagSeguro.

“Mantenho as outras doações que já fazia, além dessa. E pretendo continuar ao menos até o fim da pandemia. Tenho ouvido relatos muito tristes, soube que os pontos de ônibus estão cheios de pessoas pedindo alimentos e muitas estão acompanhados de crianças”, falou.

Moema, como Maria Claudia, fica muito emocionada com a situação das pessoas que passam necessidade. Até hoje, não conseguiu ir pessoalmente fazer as entregas: “não vou aguentar ver essas pessoas na rua, principalmente por causa das crianças que estão ali”. Quando faz as entregas, o empresário manda as fotos para os doadores, como uma espécie de prova de que a doação está chegando para quem precisa.   “Não quero ir fazer as entregas porque, se chegar perto deles, vou mostrar fraqueza. E isso não seria justo: não posso me aproximar de alguém que está numa situação desfavorável e deixá-los ainda mais tristes”, revelou Moema.

As doações das quentinhas acontecem em diversos pontos de Salvador, mas nas últimas semanas concentrou-se no Centro, principalmente na Avenida Joana Angélica, onde, segundo Moema, há uma grande concentração de pessoas. Além de alimentos, levam roupas, calçados, produtos de higiene pessoal, álcool e máscaras.

Vizinhos e amigos de Moema são alguns dos doadores. A casa da professora tornou-se uma pequena central das doações que são repassadas aos entregadores. Por semana, chegam a ser produzidas cem quentinhas, entregues, normalmente, em dois carros.

A assessora de imprensa Luciana Amâncio, 32, é doadora mensal das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), do Médicos Sem Fronteiras e tenta encontrar outras maneiras de ajudar sempre que possível. 

“Todo mês o valor já é automaticamente transferido para essas organizações. A pandemia foi um chamamento para isso. Além das doações, também criei o hábito de cadastrar as notas fiscais e escolher duas instituições para ajudar com isso, que são o Grupo de Ajuda à Criança Carente com Câncer (GACC) e o Martagão Gesteira. Semana passada fiz um post sobre doações de livros e apareceu um menino precisando e consegui passar pra ele”, disse Luciana.

Mateus Saraiva, 29, é consultor em gestão e começou a doar quentinhas depois de ver com frequência pessoas pedindo comida nos mercados. Ontem, ele e a noiva, com a contribuição de parentes, distribuíram 50 quentinhas nas ruas e querem fazer isso quinzenalmente. 

“Depois de observar tanta gente precisando, isso começou a mexer comigo. Já tinha ajudado um colega meu que fazia quentinhas e, depois, resolvi colocar a mão na massa e fazer quentinhas com minha noiva. Saímos no final de semana para distribuir e percebemos que toda ajuda é bem-vinda porque, quando você entrega o prato de comida, você percebe que aquilo ali é a vitória da pessoa no dia ou da semana”, contou Mateus que, de dezembro pra cá, já fez isso quatro vezes.

Apesar de serem contribuições de pequeno porte, a ação destas pessoas é fundamental neste momento. Isso é o que garante Lucas Gonçalves, presidente da Salvador Invisível. “No tempo da pandemia, muitas instituições e até o Estado não estiveram tão presentes. A sociedade teve que tomar a frente. A gente sabe que o assistencialismo, apesar de não mudar a vida, garante o mínimo existencial porque quem tem fome precisa comer e quem tem frio, precisa se vestir”, explicou.

Para Lucas, o trabalho de formiguinha de cada um é interessante por cumprir uma função que o Estado não dá conta de fazer. “A sociedade precisa estar, junto com o Estado, se movendo, ajudando. Porque o Estado vai pensar de forma ampla. Ele vai olhar as pessoas em situação de rua de maneira ampla e trabalhar nesse sentido. O trabalho de formiguinha vê a pessoa, no individual. Não é uma pessoa em situação de rua, é um Roque em situação de rua, um Lucas com necessidade. Um olhar mais humano”, afirmou.

Drive solidário Neste sábado (17) e domingo (18), a campanha #UmaRedePorTodos promoveu o Drive Thru Solidário para arrecadar alimentos para famílias carentes de Salvador. Cerca de 45 toneladas de alimentos foram recebidas na central montada no bairro da Calçada. A ação foi uma realização da Rede Bahia, Prefeitura de Salvador e Central Única das Favelas (Cufa), com parceria da Casa Pia de São Joaquim. Drive Thru Solidário, em Salvador, arrecadou 45 toneladas de alimentos que serão distribuídos para 3,5 mil famílias na cidade (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Presidente da Cufa Bahia e coordenador nacional da Cufa, Márcio Lima afirmou que o resultado foi muito além do esperado e o movimento de pessoas solidárias, principalmente ontem, foi muito intenso. Mais da metade dos alimentos foram entregues nesse dia. O aposentado José Braga foi uma dessas pessoas: pegou o carro com a esposa e foi até a Calçada fazer a boa ação."Nesse tempo de pandemia a gente sabe o quanto tem de pessoas passando necessidade. É importante ajudar, se cada um fizer um pouquinho, muita gente poderá ter o que comer em casa", disse Braga.Márcio Lima apontou que a meta da ação era de levantar donativos para 4,2 mil famílias soteropolitanas. As 45 toneladas serão suficientes para ajudar 3,5 mil famílias. Mas, isso não desanima o presidente da Cufa.

“Como disse, foi algo que me surpreendeu. Poderemos atender famílias de todas as regiões de Salvador. As favelas são formadas por muitas pessoas que empreendem, trabalham com o trabalho informal ou iniciativas próprias. A pandemia cortou muito da renda dessas pessoas”, disse Márcio.

Presidente da Saltur, Isaac Edington esteve na Casa Pia durante todo o final de semana e descreveu o Drive Thru como uma oportunidade para aqueles que quiseram ajudar e exercer a cidadania de uma forma segura, sem gerar aglomerações e dar margem para que mais pessoas se contaminem com o coronavírus. 

Brasileiros doaram quase R$ 7 bilhões na pandemia. Veja como doar

Segundo a Associação Brasileira de Captadores de Recursos (www.monitordas doacoes.org.br/pt), os brasileiros já doaram mais de R$ 6,8 bilhões desde o início da pandemia e mais de 660 mil pessoas já fizeram doações. Desse total, R$ 3,4 bi foram doados através de 555 campanhas.

Uma dessas campanhas é o Tem Gente com Fome, que tem mais de 220 mil famílias mapeadas em situação de vulnerabilidade. A distribuição é feita por meio dos pontos físicos onde estão as organizações que compões a Coalizão Negra no Brasil. O site (temgentecomfome. com.br), que já arrecadou R$ 7,4 milhões, entrega o equivalente a R$ 200 a cada família.

Na Bahia, a primeira entrega do projeto aconteceu neste fim de semana, com distribuição de cestas básicas, kits de limpeza e higiene, cartões de alimentação e sacolas orgânicas. Segundo o projeto, 2556 famílias baianas receberam os produtos. No estado, 14 mil famílias estão listadas para receber o suporte.

Marcio Lima, presidente da Cufa Bahia, organização que mapeará as famílias que receberão as doações, contou que muitas mães querem trabalhar, mas não têm emprego e nem recursos para empreender. “Ficam divididas entre o medo de contaminar seus parentes e a necessidade de colocar comida na mesa”, explicou.

Há diversas outras instituições que recebem doações e as encaminham para quem precisa. Em alguns casos, é possível doar alimentos e em outros, pode-se depositar o dinheiro para que a instituição converta em produtos que serão doados.

1) Associação Dom Bosco (Bairro de São Cristóvão, Salvador): Banco do Brasil Agência: 3781-8 Conta Corrente: 10151-6 Pix: 04793344000156 Conta Paypal: domboscoassoc@gmail.com Valor sugerido: R$ 50,00

2) Tem gente com Fome Valor da doação: a partir de R$ 10 Depósito em conta: Associação Franciscana DDFP CNPJ: 11.140.583/0001-72 Banco do Brasil Agência: 1202-5 Conta Corrente: 73.963-4 Chave PIX: 11.140.583/0001-72

3) Amas - Associação Maná Social (Candeal, Salvador) Informações pelo telefone (71) 9 8741-5700

4) Sociedade Irmãos Solidários (Parque São Bartolomeu, Salvador) Informações pelo telefone (71) 9 9975-4333

5) Orfanato Vó Flor (Ribeira, Salvador) Informações pelo telefone: 9 9261-4369 (WhatsApp)

6) Secretaria da Saúde - SESAB Banco do Brasil Agência 3832-6 Conta Corrente 993518-5 Fundo Estadual de Saúde CNPJ 05816630-0001-52.

7) UniãoBA contra o Coronavírus Banco do Brasil  Agência: 2799-5  Conta: 33713-7  CNPJ: 35.759.019/0001-09 Razão Social: Instituto Liga do Bem. Os comprovantes podem ser enviados para: contato@aligadobem.org

8) Você tem fome de quê? (Ladeira da Preguiça, Salvador) Doações no Centro Cultural que Ladeira é Essa? localizado na Ladeira da Preguiça, nº10 ou na Casa Xangô House: Largo da Saúde, nº 1, Saúde. Também é possível doar pelo Pix. CNPJ: 30.800.235.0001-29

*Sob supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro