25% dos fertilizantes da Bahia vêm da Rússia; guerra faz preços subirem até 200%
Entenda por que a próxima safra está ameaçada e como isso pode impactar o preço dos alimentos
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Carolina Cerqueira
carolina.cerqueira@redebahia.com.br
Os conflitos entre Rússia e Ucrânia, que começaram em fevereiro deste ano, acontecem em terras distantes, mas têm impactos muito próximos para os baianos, principalmente para o agronegócio. A maior preocupação atual é em relação aos fertilizantes. É que 25% desse tipo de produto utilizado em solos baianos vêm da Rússia, que está com baixa produção e embargos em relação a transporte. Com isso, já há escassez de fertilizantes, aumento de preço e incertezas em relação à próxima safra. Quanto mais a guerra se entende, mais prejuízos a Bahia acumula.
Os fertilizantes químicos funcionam como um tipo de adubo, usados para preparar e estimular a terra para o plantio. Os principais são: potássio, nitrogênio e fósforo. Nos últimos 30 dias, o cloreto de potássio, que incorpora o potássio ao solo, teve aumento de 200%. A ureia, que compõe o adubo nitrogenado, teve aumento de mais de 100%. O fosfato chegou a 90% de aumento.
Quem traz os dados é o secretário de agricultura da Bahia, João Carlos Oliveira. Ele ressalta a alta dependência do Brasil como um todo em relação aos produtos de fora. “Os nossos solos são muito dependentes de adubação química, principalmente do nitrogênio, fósforo e potássio. Mas a pergunta é: como um país que tem a agricultura como base econômica é altamente dependente da importação de insumos determinantes para a produtividade?”, questiona.
O nitrogênio se extrai do petróleo, do gás natural ou do resíduo asfáltico. O potássio e o fósforo vêm de jazidas de minérios para extração. “A gente tem gás natural e petróleo. Também temos rochas fosfatadas que precisam ser melhor estudadas. Só em relação ao potássio é que fica um pouco mais delicado. É justamente aí que está a maior parte da nossa importação. Mas poderíamos ser bem menos dependentes”, coloca o secretário.
Consequências
O presidente da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), Luiz Carlos Bergamaschi, também questiona a alta taxa de importação e lembra a consequência dessa equação. “Essa dependência faz com que a gente fique refém de oferta e de preços. A qualquer problema, os preços sobem e isso reflete nos custos de produção. Além dos fertilizantes, temos aumento também no combustível, o que tem grande impacto para o agronegócio. Assim, é preciso aumentar os preços de venda. É toda uma cadeia que vai terminar lá no consumidor final”, destaca. Além do algodão, outros grandes dependentes dos fertilizantes são o grão e a soja, que são a base da ração para a avicultura e suinocultura, por exemplo. Além do algodão, outros grandes dependentes dos fertilizantes são o grão e a soja (Foto: Divulgação/Seagri) E, no cabo de guerra, se o prejuízo não vai para o consumidor final, vai para o produtor. “Em relação a alimentos como banana, tomate e outros produtos, a gente vai ter aumento do preço final, é o repasse. Mas quando falamos de commodities, o preço é internacional, então o produtor não consegue repassar e sai no prejuízo mesmo, vai ter menos rentabilidade. A gente espera que, internacionalmente, o preço das commodities não caia para que o produtor tenha uma boa margem na comercialização dos seus produtos”, defende o diretor executivo da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), Alan Malinski.
O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia (Faeb), Humberto Miranda, lembra que os preços já vinham subindo desde o início da pandemia e, agora, a situação se agrava. “Antes do impacto da guerra já tivemos o impacto da covid-19, afetando os preços dos fertilizantes e defensivos. Na região Oeste da Bahia, nos últimos 2 anos, o aumento foi de 222%. Na Bahia como um todo, em 2021, o aumento foi de 148% no valor dos fertilizantes”, afirma.
Escassez de fertilizantes
Além de ficar refém dos preços elevados, a Bahia pode não ter fertilizante suficiente para a próxima safra. Para o secretário de agricultura, João Carlos Oliveira, a maior preocupação é com relação ao segundo semestre. “Os nossos plantios aqui na Bahia agora estão garantidos. O de soja, de café e de cacau, por exemplo, já foi, a safra está em andamento. Mas agora precisamos pensar no plantio do segundo semestre, esse é o problema maior. Para garantir os plantios, precisamos ter fertilizante aqui até junho, no máximo”, coloca Oliveira.
Na visão do diretor executivo da Aiba, Alan Malinski, as preocupações para a próxima safra já começam agora. “Os produtores compram fertilizantes com antecedência, vão montando sua programação de safra. Hoje produtores que compraram não sabem se vão receber e quando vão receber, e produtores que não compraram não sabem se vão encontrar no mercado. Vivemos uma situação de insegurança, isso tudo mexe com o mercado”, ressalta. Alternativas
Nos últimos anos, já desde o governo Temer, a Petrobrás fechou ou vendeu diversas unidades de fábricas nacionais de fertilizantes. Desde 2019, o Brasil vem negociando a venda da última unidade. O secretário de agricultura da Bahia, João Carlos Oliveira, critica o fato do Governo Bolsonaro só estar levantando a pauta dos fertilizantes agora, em meio à guerra entre Rússia e Ucrânia, e defende que a solução é a diminuição da dependência do país em relação ao mercado externo. O presidente da Faeb, Humberto Miranda, concorda.“Nós temos reservas expressivas que podem levar o Brasil a uma quase autossuficiência de fertilizantes que hoje a gente importa e não podemos ignorar isso. O ponto chave é a pesquisa, investimento em biotecnologia, que é o que realmente vem transformando e pode transformar ainda mais o setor agropecuário brasileiro”, opina Miranda.Enquanto essa solução a longo prazo não chega, o presidente da Abapa, Luiz Carlos Bergamaschi, sugere que é hora de racionar fertilizante e reduzir área plantada. “É o momento de pensar no uso racional dessa adubação, buscando a maior eficiência com uma quantidade menor”, opina. O secretário de agricultura ainda acrescenta a revisão de manejo, com consorciação de culturas. “A gente precisa trabalhar algumas opções de manejo, como consorciação de cultura e, sobretudo, consorciar com leguminosas. Por exemplo, feijão e soja são plantas que têm a capacidade de fixar o nitrogênio do ar e incorporar ao solo”, complementa.
Além da Rússia, os caminhos para o Brasil envolvem Canadá, com potássio, Marrocos, com fósforo, e Oriente Médio, com nitrogenados. Na tentativa de contornar a situação, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, foi até o Canadá, no último dia 12, com o objetivo de conseguir uma maior quantidade de potássio, que já é importado de lá pelo Brasil. Ainda não há certezas sobre as negociações. A ministra já salientou que não há motivo para pânico e que o país tem estoque para a próxima safra.