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Voto obrigatório para médicos: conheça as quatro chapas que concorrem ao CFM na Bahia


 

Alvo de críticas na pandemia e na portaria que limitou aborto legal, entidade tem influência nas políticas de saúde

  • Thais Borges

Publicado em 21/07/2024 às 05:00:00
Na linha acima: chapa 1; chapa 2. Na linha abaixo: chapa 3; chapa 4. Crédito: Divulgação

Fundado em 1951, o CFM é uma autarquia composta por 28 conselheiros titulares de cada estado e do Distrito Federal e seus 28 suplentes, além de um conselheiro membro titular representante da Associação Médica Brasileira (AMB) e o respectivo suplente. A nova formação será eleita de forma online, por voto direto e secreto. O voto é obrigatório para médicos inscritos no Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb) e facultativo para médicos com mais de 70 anos.

Na Bahia, quatro chapas estão concorrendo. Duas delas são formadas por conselheiros atuais: as chapas 2 e 4. A titular da chapa 2 é a atual suplente, enquanto o titular da chapa 4 é o atual conselheiro titular. A reportagem fez as mesmas perguntas às quatro chapas. Os tópicos diziam respeito ao impacto do CFM na formulação de políticas públicas, a politização na entidade, o posicionamento a respeito da norma sobre assistolia fetal em casos de aborto legal por estupro e uma defesa da candidatura (veja abaixo).

"O CFM tem o objetivo de zelar pelos interesses profissionais dos médicos. Ao fazer isso, muitas vezes gera embate com outros órgãos sociais - o que também é algo extremamente comum", pondera o pesquisador Luiz Teixeira da Fiocruz.

Por ter autonomia técnica, funcional e administrativa, o CFM já fez contribuições para o desenvolvimento de políticas públicas que já trouxeram benefícios para a saúde da população brasileira, na avaliação do advogado René Viana, presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Bahia (OAB-BA).

Para Viana, a área da saúde ainda precisa de mais atenção do poder legislativo para implementar e regular políticas públicas. Por isso, ainda que a competência do CFM esteja restrita à regulamentação do exercício da medicina, existem "limbos normativos" sobre de temas importantes na área da saúde. Assim, as resoluções que são editadas pela autarquia se tornam, muitas vezes, a única fonte normativa de alguns desses tópicos.

"Sob a ótica da hierarquia das normas jurídicas, as resoluções do CFM estão em patamar inferior à Constituição Federal e às leis ordinárias, não podendo contrariá-las em nenhuma hipótese, sob pena de serem excluídas, parcialmente ou totalmente, da ordem jurídica nacional", explica o advogado.

Conheça as quatro chapas concorrentes na Bahia

CHAPA 1: Luciana e Humberto - Por amor à Medicina

Chapa 1: Humberto de Castro e Luciana Rodrigues. Crédito: Divulgação

Esta chapa é formada pela médica pediatra Luciana Rodrigues Silva (titular), que é professora titular de Pediatria da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e pelo médico neurologista Humberto de Castro Lima Filho, coordenador do curso de Medicina da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.

Na lista de propostas dos candidatos, estão a defesa efetiva do Sistema Único de Saúde (SUS) e a articulação com as áreas da saúde. Em entrevista concedida por email, a médica Luciana Rodrigues Silva destacou que é muito importante a participação permanente do CFM na construção de políticas públicas, observando as necessidades e carências da população brasileira.

"Além desta participação, o CFM deve estar presente de forma ativa também na discussão envolvendo as condições adequadas do trabalho médico, na valorização destes profissionais, deve se posicionar contra a abertura de novas escolas médicas, deve lutar para promover o suporte às residências médicas de qualidade", diz, citando, ainda, o aperfeiçoamento do SUS, discussões com operadoras de saúde, segurança do paciente e combate a fake news.

Luciana disse, ainda, que a polarização política não deve acontecer, uma vez que o CFM não é um local para política partidária. "Não interessa se determinado conselheiro é do partido X, Y ou Z. O que interessa é que todas as ações do CFM e de seus conselheiros sejam voltadas para a valorização da boa prática médica". Quanto à norma sobre assistolia fetal em casos de aborto legal por estupro, a chapa afirmou se posicionar contra o PL 1904.

"Respeitamos sempre as pessoas e a vida. Inadmissível o projeto de lei que propôs punir mulheres, crianças e jovens adolescentes que sofreram estupro! Tive oportunidade no hospital universitário e na Sociedade Brasileira de Pediatria de ver crianças e jovens adolescentes estupradas que ficaram grávidas; estas necessitam estar protegidas pela lei e serem acolhidas em hospitais por equipes treinadas para este atendimento".

Por fim, a pediatra falou sobre propor uma mudança na representação da categoria. "Eu e Humberto somos professores de Medicina, atuamos na assistência há muitos anos, trabalhamos em hospitais do SUS e particulares, exercemos cargos de gestão em diferentes associações, escolas médicas e hospitais e temos o firme propósito de representar de fato os médicos da Bahia".

CHAPA 2: Em defesa da Medicina

Maíra Dantas e Antonio Meira, da Chapa 2. Crédito: Divulgação

Formada pela médica intensivista Maíra Pereira Dantas (titular) e pelo médico do tráfego Antonio Edson Souza Meira Júnior, a chapa é uma das duas que têm membros da atual formação do CFM. Maíra Dantas, que é professora de Direito Médico em instituições como a Universidade Católica do Salvador (UcSal), é a atual conselheira federal suplente da Bahia. Já Meira Júnior é o presidente da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego no estado.

Entre as propostas da chapa estão a implementação de um exame de proficiência para obtenção do registro nos conselhos regionais, para médicos formados no Brasil, e a criação de uma comissão de defesa das prerrogativas do médico.

Em entrevista por escrito, os dois candidatos defenderam a participação do CFM na elaboração de políticas sanitárias. "Nós da Chapa 2 defendemos que o CFM esteja em mãos de profissionais independentes, livres de comprometimentos ideológicos, político-partidários ou empresariais e com amplo conhecimento da realidade para que possa atuar na defesa das pautas de interesse da classe médica".

Ambos comentaram, ainda, que a pandemia da covid-19 trouxe uma dicotomia que feria a imparcialidade da discussão científica - tornando-a, em suas palavras, agressiva e pouco construtiva. "Só a análise reflexiva e madura do assunto permite vislumbrar que é perfeitamente possível conciliar o respeito à autonomia do médico e o direito à autodeterminação do paciente com as melhores evidências científicas. O Conselho Federal de Medicina deve pautar suas decisões pela tecnicidade e escuta qualificada".

Para a chapa 2, a resolução sobre assistolia fetal foi aprovada porque o CFM considera antiética a realização do procedimento. Eles afirmam que o procedimento contraria o princípio do juramento médico de salvar vidas, além de envolver outros pontos como não solucionar a recorrência do delito. "A ciência médica na atualidade reconhece que a partir da 22ª semana de gestação há viabilidade da vida fetal extrauterina. Ora, se existe vida viável, suprimir esta possibilidade se coloca então diante de um homicídio com riscos para a gestante, além do ato desumano e torturante para o concepto sacrificado no útero materno".

Por fim, declaram trazer uma proposta de renovação com responsabilidade, citando experiências a partir do conhecimento na área de Bioética, Ética Médica e Direito Médico.

CHAPA 3 - Autonomia médica já

Rodrigo Adry e Sandro Max, da Chapa 3. Crédito: Divulgação

A chapa é composta pelo médico neurocirurgião Rodrigo Antonio Rocha da Cruz Adry e pelo médico ortopedista Sandro Max Castro Silva, especialista em dor. Rodrigo Adry é doutor em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto e Sandro Max cursa o doutorado em Processos Interativos de Órgãos e Sistemas na Ufba.

As propostas listadas por eles incluem a autonomia médica para a escolha do tratamento dos pacientes, sem interferência de operadoras de saúde e outras entidades, bem como um plano de carreira para os médicos no SUS.

Em uma entrevista por escrito, o médico Rodrigo Adry defendeu que o peso do posicionamento do CFM na construção de políticas públicas deve ser significativo, por sua função consultiva e reguladora com capacidade técnica. No entanto, defende que isso seja equilibrado com pacientes, gestores de saúde, outros profissionais de saúde e legisladores.

Ao citar a imparcialidade e o foco técnico-científico do CFM, ele afirma que, desde a pandemia, houve interferência de terceiros em assuntos que são da autarquia. Assim, defende a garantia da autonomia da entidade. "Algumas medidas podem ser tomadas como transparência nas decisões baseadas em evidências científicas e não em interesses políticos", exemplifica.

Quanto à portaria sobre assistolia fetal, Adry pontua que o procedimento realizado após 22 semanas se enquadra como antecipação do parto. Ele cita que há registros de crianças nascidas com 21 semanas e que sobreviveram. "Logo, precisamos fazer uma análise científica bem embasada para avaliar o risco e benefício do procedimento acima das 22 semanas, além da discussão ética já que trata-se de um feto viável. O CFM deve definir cientificamente sobre o procedimento, mas posteriormente deve haver uma discussão 'legislativa' sobre o tema, incluindo a sociedade'.

Adry disse que sua chapa é formada por médicos que ainda atuam no contato direto com os pacientes e que estão cansados de ver a desvalorização da profissão. "A previsão do futuro da medicina é sombria e não estou falando de um futuro distante. Nossa busca é por renovação e por uma mudança real do cenário, somos uma chapa independente e estamos buscando manter a medicina viva".

CHAPA 4 - A serviço da medicina

Julio Braga e Aroldo Bacellar, da Chapa 4. Crédito: Divulgação

Composta pelo médico cardiologista Julio Cesar Vieira Braga (titular) e pelo médico neurologista Aroldo Luiz da Silva Bacellar (suplente), a chapa 4 é a outra que tem um membro já entre os integrantes do atual CFM. Julio Braga ocupa atualmente o posto de conselheiro federal titular. Ele é professor da Escola Bahiana de Medicina, enquanto Aroldo Bacellar é coordenador da residência em Neurologia do Hospital São Rafael.

Entre as propostas da chapa, estão a criação de um exame para os médicos formados e maior controle sobre os cursos de medicina. Por telefone, ele reforçou que o papel do CFM não é de defesa incondicional dos médicos, mas de defesa das boas práticas médicas. "É a nossa obrigação. Isso não é interesse só do médico, mas da sociedade e dos pacientes".

Para Braga, a politização apontada por alguns na postura do CFM diante de alguns temas teria começado antes mesmo da pandemia da covid-19. Ele cita pontos que estariam em conflito com a autonomia médica, a exemplo da falta de liberdade em se recusar a fazer procedimentos como o aborto, a falta de valorização da profissão e as diferenças de remuneração."Defendo princípios da boa medicina, sem princípios ideológicos".

A chapa também se posiciona de forma favorável à resolução sobre assistolia fetal. Segundo Braga, o CFM se envolveu no tema pelo que chamou de omissão de outras entidades, como as sociedades de pediatria e de ginecologia e obstetrícia.

"Era uma reclamação de diversos médicos, sem falar da sociedade como um todo. Mas que não se faça confusão com a história do projeto de lei. Isso é outra coisa, que só foi adiante porque o STF, de forma arbitrária, resolveu suspender a resolução do CFM, que não tratava de punição à mulher. É uma hipocrisia querer tratar uma discussão quanto a punir mulheres e crianças", argumenta.

Ele destacou, ainda, que ambos os integrantes da chapa trabalham na assistência direta a pacientes do SUS, sabendo as dificuldades que os médicos têm em seu cotidiano. Braga garantiu ter independência de interesses políticos. "Estou lá votando com a consciência livre para escolher aquilo que a maioria da categoria deseja. E a maioria da categoria deve ser respeitada e ouvida em temas como programa Mais Médicos, abertura indiscriminada de escolas, contratação de médicos sem CRM (registro no conselho)".