'Quando a mulher encerra a leitura, sabe que está segura', diz escritora
Gênero literário tem lançado uma nova geração de escritoras no país
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Thais Borges
thais.borges@redebahia.com.br
Febre no Brasil, o dark romance tem lançado uma nova geração de escritoras do gênero no país. Em março, a escritora Emma S. Grey lançou seu primeiro livro - o dark romance Carnificina, que já tem mais de 600 avaliações na Amazon e nota média de 4,6 de 5 estrelas. Aos 23 anos, a escritora já vinha lançando contos desde 2021, todos disponíveis no Kindle Unlimited.
Para Emma (que usa um pseudônimo e ainda divide a escrita profissional com o trabalho como desenvolvedora de software), muito da popularidade do gênero vem de um desejo de mulheres de consumir produtos feitos para elas. "São histórias escritas de mulheres para mulheres, onde a gente sabe expressar os desejos e vontades íntimas que só nós saberíamos como descrever".
Ela conta que escolheu o dark romance justamente para falar sobre a moral cinza que os personagens do gênero costumam ter. Com o dark romance, Emma diz que consegue explorar a personalidade desses personagens que considera intrigantes."Sou obcecada pela ideia de que as pessoas podem ser ruins, dependendo da perspectiva de quem está contando a história e principalmente, que até os anti-heróis mais sombrios podem amar sem deixar de serem o que são ou precisar se moldar para se encaixar em algo".
Isso não significa que ela não fique receosa quando escuta alguém dizendo que o dark romance não tem limites e deveria explorar tudo. Por isso, ela critica quem coloca estupradores e pedófilos como protagonistas, por exemplo, já que reforçariam violências vividas por mulheres.
"Se são livros escritos por mulheres para mulheres, por que retratar algo que violenta a gente diariamente? Eu nem acredito que exista uma linha tênue. Acho que a linha do limite é bem óbvia e as pessoas fecham os olhos pra isso".
Sonho
Para muitas autoras dessa geração, o dark romance ajudou a concretizar o sonho de escrever. Esse é o caso da escritora Dani Moraes, 48 anos, que lançou títulos como a série Máfia Deck of Cards e, antes disso, trabalhava na área empresarial. Ela já tinha experiências em blogs e começou a publicar no Wattpad em 2019.
"Meu primeiro romance foi um drama, aliás, os três primeiros foram drama. A série era ambientada na Itália, o que me levou a criar histórias com anti-heróis mafiosos, o tipo de personagem comum no dark romance", conta ela, que tem mais projetos em outros gêneros.
Dani também pensa que a possibilidade de autopublicação tornou possível que novos autores sejam lidos no mundo todo. Hoje, ela tem leitoras em países como Canadá, França Itália - algo que julga que seria permitido apenas a autores em grandes editoras.
Os avisos de gatilho, na avaliação dela, são uma forma de evitar a romantização e de ter responsabilidade. "Como autora, eu crio ficção onde os limites são flexíveis, porém, não necessariamente louváveis. Não é possível ter controle sobre quem vai ler e a interpretação é individual".
Desde que não seja romantizado, ela defende que temas sensíveis podem se encaixar em qualquer gênero. "As mulheres têm fantasias e o livro permite que elas realizem tudo na sua imaginação. Quando encerra a leitura, ela sabe que está segura, não está em risco. No mundo real, elas não querem se envolver com o mafioso e, como autora, não incentivo a buscarem isso.
Contexto
Outro nome conhecido no mercado brasileiro de dark romance é o de Zoe X, autora de Bad Prince. Apresentada como um ‘bully romance’ (subtema do dark que tem início com o bullying entre os protagonistas), a obra tem mais de 12,5 mil avaliações na Amazon. Zoe, também um pseudônimo de uma jovem de 29 anos que deu os primeiros passos na escrita ainda criança, escolheu nunca mostrar seu rosto. Sempre que participa de eventos literários, ela aparece cobrindo o rosto.
Mas Zoe se descobriu no dark romance por acaso. Ela nunca tinha consumido algo do gênero e soube do que se tratava quando outras pessoas lhe apontaram, durante a escrita de Indomável, um de seus livros lançado em 2018.
Segundo ela, o livro, que foi publicado inicialmente no Wattpad (plataforma que permite publicação de histórias), teve um milhão de visualizações na época e estreou no top 2 quando entrou na Amazon. Para Zoe, isso foi justamente porque, naquele momento, ainda não se via tanto dark romance.
"Mas eu não escrevo só dark romance, apesar de ter a veia. Tenho clichês, fantasias sombrias, comecei com uma distopia… Acredito que boas histórias devem ser contadas, independente do gênero", analisa.
Zoe também refuta que ter situações de estupro e bullying significam que autores concordem ou propaguem a ideia de que está tudo certo. "Muitas vezes, dentro do contexto inserido dessas situações todas, pelo menos nas minhas histórias, há sempre o questionamento de que isso é errado, seja o personagem questionar o ato do que fizeram com ele ou que ele fez com o outro. Isso não significa que seja perdoável, mesmo que o personagem tenha perdoado. Isso não significa que na vida real isso seja aceitável", enfatiza;
Ela destaca o poder da literatura e que o que funciona para um leitor pode não funcionar com outros. Isso não se aplicaria, porém, pessoas com menos de 18 anos. Zoe reforça que é contrária a leitores mais novos leiam seus livros e, por isso, costuma filtrar grupos de divulgação e colocar avisos de gatilho da leitura.
"Enquanto eu tenho muita gente apontando o que eu escrevo como problemático, tenho o dobro de pessoas me agradecendo por terem enxergado problemas nos próprios relacionamentos. Ou então por mexer em dores que ninguém nunca havia tocado sem julgamentos", pontua. "Sei que o que escrevo não é nem para todo adulto, quem dirá um adolescente que ainda está formando sua visão de mundo?", argumenta.
Zoe diz esperar que, no futuro, o dark romance seja visto como qualquer outro gênero literário - e, se não é para alguém enquanto leitor, que esse alguém não leia. Para ela, é possível dialogar com temáticas sensíveis e contar histórias de superação e transformação. Ao mesmo tempo, ela pondera que nem todo mundo respeita livros que falam sobre tesão e fetiches. Daí, abriria-se uma porta que nem todo mundo respeitaria. Ela cita os kinks, que são as práticas sexuais não convencionais, desviantes ou peculiares. Tudo isso, para a autora, pode ser explorado no dark romance com uma profundidade que pode incomodar.
"O que se confunde muito é achar que, dentro do gênero, um personagem estuprar o par romântico é algo sem contexto, jogado, ou sem consequências, além de querer olhar para enredos que já avisam serem extremamente problemáticos com uma régua moral que ali dentro não cabe", diz.