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Experientes e curiosos: busca por produtos eróticos cresce 77% entre pessoas 60+


 

Sex shops apontam importância da faixa etária para o setor; médicos recomendam prática para preservação também da saúde do cérebro

  • Carolina Cerqueira

Salvador
Publicado em 06/07/2024 às 05:00:00
Vibradores e sugadores são os mais vendidos. Crédito: Marina Silva/CORREIO

“Ele vinha com uma muleta e as mãos tremiam, mas estava sempre na loja”, conta Joelma Pereira, de 44 anos, proprietária da Que Luxúria Sex Shop, em Salvador, sobre um cliente de 100 anos. Na Lola Sex Store, em Recife (PE), a proprietária Camilla Vargas, de 36 anos, afirma que 50% do público das suas duas unidades físicas é composto por pessoas a partir dos 60 anos.

No comércio virtual, eles também fazem a festa. No site de vendas Shopee, as buscas pelo termo “sex shop” por usuários 65+ cresceram 77% no último ano. Os produtos mais vendidos para esse público na categoria de bem-estar sexual foram dados eróticos (600% de aumento), vibradores (249%) e lingeries de renda (195%).

Há os casais que buscam produtos para os dois se divertirem juntos, mas também os solteiros, os recém-viúvos e os que querem curtir com os ficantes. Esse último caso é o de Margarida, que tem 72 anos e preferiu não revelar o sobrenome. Ela é cliente da Rituall Sex Shop, em Salvador.

“Eu acho uma caretice as pessoas acharem que a partir de uma certa idade a pessoa fica morta. Enquanto eu tiver viva, quero estar viva em todos os sentidos”, diz ela. Casada por 25 anos com um marido incompatível com a sua vontade de explorar as potencialidades da sexualidade, ela se separou há 30 anos e dissemina a palavra dos produtos eróticos para namorados e ficantes.

“Meu ex-marido era cheio de tabus, tinha dia e horário para transar. Eu não podia querer algo diferente que ele já achava estranho, repreendia. Hoje eu invento um monte de coisa com meu atual parceiro e ele acha o máximo”, conta.

Na loja, ela escolhe desde géis, lubrificantes e velas até vendas, lingeries e vibradores. Os produtos são usados com o parceiro, mas também quando ela está sozinha. “Tenho uma coleção”, diz Margarida.

Margarida escolhendo os produtos que vai levar para casa. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Para desmistificar

“As pessoas acreditam que sex shop é algo ligado à promiscuidade, safadeza, putaria. Mas estamos falando do sexo que todo mundo faz, inclusive os mais velhos. Nesse público, eu tenho clientes que querem manter ou resgatar a sexualidade, mas também muitas mulheres que nunca tiveram um orgasmo”, destaca a dona da Lola Sex Store.

Na Sexy Gata, em Salvador, a empresária Rafaela Silva, de 30 anos, destaca o caso de uma das clientes mais velhas, que tinha 70 anos.

“Ela entrou na loja para comprar uma prótese peniana e o parceiro ficou esperando no carro. Contou que era viúva e estava se aproximando de uma nova pessoa e se sentindo jovem. O brilho nos olhos era algo nítido, coisa de quem está apaixonado mesmo”, lembra.

Por conta da demanda, além dos produtos para todas as idades, há os que são pensados especificamente para o público mais velho. Na Rituall Sex Shop, a empresária Ive Maciel, de 50 anos, diz que os 60+ representam 40% do público e um dos atrativos é a linha chamada de “Maduro”, da marca Hot Flowers.

Ive Maciel, proprietária da Rituall Sex Shop. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Para as mulheres, há os lubrificantes que ajudam a lidar com as consequências da menopausa, que pode reduzir a lubrificação e retardar a excitação. Para os homens, algumas das opções são géis que retardam a ejaculação e prolongam a ereção, massageadores de períneos e cintas com prótese.

Os produtos ajudam a combater os efeitos das alterações vasculares e de alguns medicamentos. “Medicações para pressão com frequência impactam na capacidade de ereção do homem, e antidepressivos cada vez mais usados pelos idosos podem impactar tanto na libido quanto na performance sexual de homens e mulheres”, diz o geriatra Felipe Lopo.

As limitações naturais da idade podem ser dribladas com os produtos, mas Margarida e os profissionais ressaltam a importância de ampliar a visão sobre o sexo.

“Quando se é mais jovem, o pensamento é que sexo é penetração, mas depois a gente descobre que é muito além disso. Sexo é toque, cheiro, gosto. A gente tem que explorar outras questões, às vezes numa transa você não tem a penetração, mas sente prazer de outras formas”, defende Margarida.

Um dos produtos vendidos é o lubrificante para as mulheres. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Cada um com a sua demanda

Mesmo dentro do público 60+, as demandas são diversas. As mulheres podem escolher entre vibradores e próteses para penetração ou os sugadores de clitóris, que têm intensidades diferentes a serem testadas conforme a preferência.

Fora as linhas voltadas aos mais velhos, os produtos são os mesmos para todas as idades. Não há restrição, já que os corpos envelhecem de formas diferentes.

A proprietária da Que Luxúria Sex Shop, Joelma Pereira, conta sobre alguns clientes e começa falando como se adaptou para atender o senhor de 100 anos citado no início da reportagem.

“A gente passou a atendê-lo primeiro pelo telefone. Ele ligava e fazia o pedido, a gente deixava separado. Ele passava de carro com um motorista por aplicativo e a gente entregava no veículo”, lembra.

Um outro cliente, de 70 anos, havia passado por uma situação traumática e buscava discrição. Foi preciso uma escuta ativa das suas questões particulares para atendê-lo.

“Ele se separou e foi transar com uma mulher mais nova. Mas ela deu sonífero a ele, roubou itens da casa e fugiu. Aí ele não quis mais se relacionar com ninguém e começou a comprar os produtos de sex shop”, conta Joelma.

“Começou com bonecas infláveis, mas depois passou para os masturbadores pequenos por conta da discrição. Mas eles são muito realistas também, tem aqueles com formato de vagina, além de textura e temperatura que atenderam à necessidade desse cliente”, acrescenta.

Já para uma outra frequentadora da loja, viúva, quanto menos realista, melhor. “Ela dizia que seria uma ofensa contra o ex-marido, falecido, comprar próteses penianas e só levava os vibradores mais discretos, que não pareciam nada com um pênis”, lembra Joelma.

Uma das opções de vibradores vendidos em sex shops. Crédito: Marina Silva/CORREIO

De acordo com a empresária, o diálogo com os clientes 60+ é ainda mais fundamental do que com o público em geral. “Muitos deles vêm com vergonha, tímidos mesmo, e a gente tem o dever de passar segurança e conforto, conversar, tirar as dúvidas, ter paciência e dar liberdade”, finaliza a dona da Que Luxúria Sex Shop.

Questão de saúde

Para além do prazer, os produtos de sex shop podem ser recomendados para os 60+ por uma questão de saúde, principalmente para as mulheres. Na Rituall Sex Shop, a linha Bell tem produtos como cones vaginais para fortalecimento da musculatura e vibradores que ajudam a superar a incontinência urinária.

“O uso de vibradores pode melhorar a sensibilidade genital. Além disso, mulheres que têm dificuldade de penetração ou vagina com estenose (estreitamento) podem necessitar de dilatadores para treinamento da musculatura perivaginal”, diz a ginecologista Lúcia Alves, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

Margarida, citada no início da reportagem, conta que faz exercícios de pompoarismo todos os dias. “Da mesma forma que eu vou para a academia todo dia, eu também faço pompoarismo todos os dias, malho todos os músculos possíveis”, diz ela, rindo.

Para homens e mulheres, a prática pode fortalecer o assoalho pélvico e prevenir e combater a incontinência urinária, a disfunção erétil e a incontinência fecal, questões mais comuns com o avançar da idade.

A ginecologista Sofia Andrade, representante da Região Nordeste da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH), acrescenta que a atividade sexual pode reduzir os sintomas decorrentes do climatério e menopausa. “Melhora a insônia, o ressecamento vaginal e os sintomas depressivos que às vezes estão associados ao climatério”, coloca.

Segundo estudo publicado no Journal of Sex Research e divulgado pelo Departamento de Sociologia e Serviço Social da Hope College, nos EUA, o sexo está associado à preservação da saúde cerebral, ajudando na manutenção das funções cognitivas.

Os pesquisadores acreditam que a explicação está no potencial de redução do estresse, que prejudica a memória. A pesquisa examinou dados de 1.683 indivíduos, homens e mulheres com idade acima de 62 anos.

Para o geriatra Felipe Lopo, os benefícios integram um ciclo. Quanto melhor o estado psíquico, mais chances de benefícios físicos. “O ato sexual pode melhorar os níveis hormonais porque tem muito a ver com um estado mental positivo”, acrescenta.

Sem tabu

Para a psicóloga Lara Cannone, ser sexualmente ativo pode melhorar o humor e a autoestima e ainda prevenir o sentimento de solidão, inutilidade e abandono sociais comuns entre pessoas idosas, assim como estimula o cuidado consigo mesmo. “Sexualidade tem tudo a ver com autoestima e saúde mental, a velhice por si só em nada impede a continuidade da experiência sexual”, diz.

O sexólogo Jeová Batista acrescenta que as experiências podem ser ainda melhores do que na juventude. “A quantidade pode não ser mais a mesma, mas aí o foco vai para a qualidade. Por isso, muitas vezes, o sexo entre pessoas mais velhas pode ser até mais prazeroso do que entre as mais jovens”, defende.

O psicólogo especialista em gerontologia Mateus Vieira Soares, da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), garante que a diminuição da libido com a idade não é uma regra. “Esse imaginário da sociedade, essa negação da sexualidade às pessoas mais velhas pode acabar sendo o principal empecilho para a manutenção da vida sexual na terceira idade”, diz.

A ginecologista Lucia Alves reforça a linha de pensamento voltada para as mulheres. “O interesse sexual feminino não se dissipa com a idade. Vários fatores podem modular o desejo, mas o potencial de resposta sexual dela permanece e pode recrudescer quando o ambiente e a parceria são favoráveis, isto é, instigantes”, coloca.

O mercado

Depois de passar por um boom durante a pandemia, o mercado de sex shop continua aquecido, fortalecido pelo público 60+, garantem as empresárias entrevistadas. Ive Maciel, da Rituall Sex Shop, diz que as vendas cresceram 25% na comparação entre o período pré-pandemia e o ano de 2024.

Na Shopee, 30 mil vendedores têm produtos na categoria de bem-estar sexual. O número cresceu 34% na comparação entre os meses de abril de 2023 e 2024. A marca nacional Panty Nova, que nasceu em 2018, surfou nessa onda.

Criada com foco no público mais novo, está ampliando as estratégias depois de perceber a demanda, conta a sócia-fundadora Heloísa Etelvina, também diretora de operações.

“A partir de 2020 começamos a ver um crescimento de vendas no dia das mães. Eram filhos presenteando as mães, ou seja, mulheres mais velhas, com vibradores. A partir daí, identificamos que a terceira idade representa 2% do nosso público nas vendas online e 5% nas lojas físicas. E começamos a fazer campanhas de marketing com mulheres mais velhas. A jornalista e modelo Cecília Boeacht com a mãe dela e a influenciadora Regina Rouca foram algumas das que participaram”, diz Heloísa.

Para além do mercado de sex shop, os 60+ têm sido vistos como grandes consumidores na onda da chamada “economia da longevidade”. Os empresários estão de olho.

Segundo o IBGE, de 2010 para 2022, essa parcela da população saltou de 20 para 32 milhões no Brasil e de 1,4 para 2,1 na Bahia. De acordo com dados de 2023, essa faixa etária tem um rendimento mensal de trabalho 18% maior do que as demais a nível nacional e, na Bahia, 9% maior.

Um artigo publicado pela Georgetown Business Magazine da Universidade de Georgetown nos EUA mostra que o “mercado prateado” global movimentou em 2020 cerca de US$15 trilhões, superando o PIB da China. Segundo previsões do Instituto Locomotiva, até 2045, o Brasil terá aproximadamente 90 milhões de consumidores a partir dos 60 anos ativos economicamente.

Dicas para manter a atividade sexual depois dos 60:

Aceite as mudanças

Explore as possibilidades e não se limite à penetração

Conheça seu próprio corpo

Conte com o auxílio de produtos de sex shop

Para mulheres há muitos anos sem sexo, sugadores podem ser mais recomendados do que vibradores que envolvam penetração

Não deixe de usar preservativo contra Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs)

Não deixe de prezar pela higiene antes e depois do ato sexual

Para os homens, importante não realizar automedicação para medicamentos relacionados a obtenção e manutenção da ereção

Confira alguns sex shops:

Que Luxúria Sex Shop

Onde: Av. Joana Angélica, 77 - 1º andar, sala 02 (Salvador)

Instagram: @queluxuriasexshop

Atendimento online: (71)987259228

Rituall Sex Shop

Onde: Shopping Ponto 7, Rua Vereador Maltez Leone, 138 - Pituba (Salvador) e Shopping Pedra Mall, Rua Curva do Vinicius, 110 - Itapuã (Salvador)

Site: rituall.com.br

Atendimento online: (71)99021073

Sexy Gata Sex Shop

Onde: Rua Álvaro da Franca Rocha, 10 - 10 - Cajazeiras 5 (Salvador)

Site: sexygata.com.br

Atendimento online: (71)99636177

Lola Sex Store

Onde: Recife (PE)

Site: lolasexstore.com.br (entrega para todo o Brasil)

Atendimento online: (81)981198651