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O sucesso da CazéTV e o que ele diz sobre o contexto da televisão brasileira na atualidade


 

Canal tem 15,9 milhões de inscritos e 1,7 bilhão de visualizações totais

  • Carolina Cerqueira

Salvador
Publicado em 10/08/2024 às 05:00:00
Na imagem, Casimiro é o segundo, da esquerda para a direita. Crédito: Reprodução/CazéTV

Se o fortalecimento de marca fosse um esporte olímpico, Casimiro Miguel, mais conhecido como Cazé, levaria medalha de ouro. Com a Olimpíada de Paris 2024, o CazéTV derrubou as fronteiras do nicho dos que ele mesmo chama de “nerdolas” e se tornou um dos maiores canais esportivos do YouTube, superando o TNT Sports. Misturando elementos do jornalismo esportivo da televisão tradicional com a descontração da internet, soma 16 milhões de inscritos e 1,7 bilhão de visualizações totais.

O direito de exibição foi concedido pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) num contexto em que a Globo não compra mais a exclusividade destes grandes eventos, trilha que ganhou força com a Copa do Mundo de 2022, no Catar. Naquele ano, a CazéTV também arrematou o direito, fazendo o mesmo na Copa feminina de 2023 e em outros eventos, como os Jogos Pan-Americanos, Eurocopa e até mesmo o Campeonato Brasileiro.

De lá para cá, o canal investiu em equipe e marketing. Para a Olimpíada de Paris, o anúncio de cobertura foi feito em novembro de 2023, através de um vídeo divulgado nas redes que contou com uma superprodução, incluindo voo de helicóptero, ida à Paris para gravação e participação de nomes como Luan Santana e Vinicius Junior.

Com licença para usar o bordão de Casimiro, “isso aí é elite, tá?”. A equipe é formada por jornalistas, influencers humoristas e atletas enviados a Paris. Alguns dos grandes nomes são Fernanda Gentil (ex-Globo), Pedro Scooby e Diogo Defante. O narrador principal é Luís Felipe Freitas, ex-TNT Sports. O próprio Casimiro aparece em boa parte das transmissões.

Para a professora da Faculdade de Comunicação e da Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da UFBA e coordenadora do grupo de pesquisa sobre cultura audiovisual CHAOS, Juliana Gutmann, a figura a expertise de Casimiro são essenciais para o sucesso do canal, já que ele articula muito bem a dinâmica da cobertura esportiva tradicional da televisão com as dinâmicas da internet.

O que explica o sucesso

Aos 31 anos, Casimiro acumula experiência com a passagem pela faculdade de jornalismo e trabalho em canais esportivos como o antigo Esporte Interativo (atual TNT Sports). Ele mescla isso com as habilidades de um nativo digital que começou, em 2020, a fazer lives no Twitch reagindo a conteúdos diversos. Os sucessos dele e do canal CazéTV explodiram em 2022, com a cobertura da Copa do Mundo em parceria com a empresa de mídia LiveMode.

“O canal consegue conectar de modo natural as linguagens da televisão e das redes, trazendo, por exemplo, a narração verborrágica das lives para a narração esportiva. Quem não está acostumado, acha que os narradores estão falando demais, mas é o que demanda o público que já está inserido nas redes”, coloca Juliana.

Ela ainda destaca a conexão do canal com o humor da internet. “O canal explora brincadeiras e caminha numa lógica de geração de memes. Eles também estão puxando mutirões, convocando quem está assistindo para seguir os atletas nas mídias sociais”, destaca.

Conexão entre televisão e internet

Outra característica da internet que não foge ao canal é a geração de tretas, como destaca a professora. O caráter de informalidade deu margem para que a CazéTV se envolvesse em polêmicas durante este mês de olimpíadas. Duas delas chamaram mais atenção.

Na primeira, uma influencer, durante a transmissão ao vivo, questionou uma jogadora de vôlei e comentarista sobre uma briga entre integrantes da seleção brasileira, causando desconforto. Na segunda, um apresentador fez um comentário de teor sexual em relação a competidoras do nado sincronizado e foi repreendido pelo público e pela Seleção Brasileira de Nado Sincronizado (Sincrobrasil).

Já os bordões de Casimiro que também estão na CazéTV são atrelados à memória televisiva. Galvão Bueno, um dos maiores nomes da narração esportiva, é autor de muitos, como “Sai que é sua, Taffarel” e “Bem, amigos da Rede Globo”.

Quadro 'Distorcendo para o Brasil' usa modelo de telejornal para dar notícias fictícias sobre atuação do Brasil nas Olimpíadas com tom de humor. Crédito: Reprodução/CazéTV

“O YouTube, para mim, é televisão. Tem o ‘tube’, de tubo, no nome e chamamos os perfis de canais. A CazéTV é um excelente exemplo dessa televisão em transformação. Se você pensa em televisão enquanto aparelho, podemos dizer que ela está morrendo, mas eu digo que ela está se transformando. O meu filho assistiu à novela Vai na Fé através de vídeos do TikTok e a novela Pedaço de Mim está fazendo sucesso na Netflix”, analisa Juliana.

De onde vem o dinheiro

A gratuidade do serviço oferecido pela CazéTV a aproxima ainda mais da TV aberta. Mesmo que não consiga competir de igual para igual com a Globo (que conseguiu 36 milhões de telespectadores na abertura das olimpíadas, enquanto o canal do YouTube conseguiu meio milhão), faz frente ao Globoplay. A Globo destina a cobertura integral das olimpíadas ao streaming, que é pago, ao passo que a CazéTV tem transmissão integral e de graça.

Os ganhos financeiros vêm da monetização através do YouTube e dos patrocinadores. O site Social Blade, que faz rastreamento de estatísticas das mídias sociais, mostra que o canal, de 9 de julho a 7 de agosto, além de ganhar mais dois milhões de inscritos, teve 535 milhões de visualizações. Se o YouTube paga entre seis e 12 reais a cada mil visualizações, o valor recebido neste período seria de, no mínimo, 3,2 milhões de reais.

Alguns dos patrocinadores são Havaianas, iFood, Mercado Livre, Samsung e Volkswagen. No último dia 6, o canal foi criticado por exibir uma propaganda da casa de apostas BET enquanto a brasileira Karen Jonz, skatista e campeã mundial, abria a final da modalidade de skate park.

Agradando ou não a totalidade do público, o canal está dando o que falar e coloca em questão a conversa sobre a mistura entre jornalismo e entretenimento.

“A junção entre informação e entretenimento é um núcleo existencial da TV aberta, até mesmo para o telejornal, que é um programa mais duro, mas tem trilha sonora, vinheta, construção de personagem. O que temos de desafiador na atualidade é o campo de batalha que coloca jornalistas de um lado e influencers de outro. Com isso, as TVs abertas pedem o controle e vão precisar se articular com outras ambiências, como a internet”, analisa Juliana.