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'Nós retrocedemos à era das pessoas ansiosas, criticistas, radicais' diz Augusto Cury


 

Proteja sua emoção: com mais de 40 milhões de livros vendidos, psiquiatra vem a Salvador falar sobre o excesso de informações e conectividade

  • Priscila Natividade

Publicado em 06/10/2024 às 05:00:00
Cury é autor de mais de 80 livros, entre eles o best-seller ‘ O Vendedor de Sonhos'. Crédito: Divulgação

Nos últimos meses, o que se viu em diversas cidades do país, durante a campanha eleitoral, foi um cenário de acirramento, trocas de xingamentos, insultos e até agressões físicas. Emissoras de televisão, inclusive, mudaram a estrutura dos debates para garantir segurança. Será que podemos relacionar esse comportamento ao excesso de informações e conectividade?

Quem responde a essa questão é o psiquiatra com mais de 35 milhões de livros vendidos e um dos autores brasileiros mais lidos nas últimas décadas, Augusto Cury: “Estamos na era do radicalismo no mundo todo. Aumentou demais a intolerância sobre as frustrações, a intolerância aos diferentes. Precisamos que a democracia seja o governo do povo e não o governo de uma minoria que detêm o poder e uma necessidade neurótica de ter as atenções sociais, seja quem for ou qual o partido”, analisa Cury, que traz para Salvador no dia 17 de outubro, a palestra Gestão da Emoção na Era da Intoxicação Digital.

“Fora das telas nada de importante ocorre, nada tem significado para fazer da sua história um espetáculo único e imperdível. Parece que tudo ocorre nas telas digitais, mas, na verdade, no mundo digital, a artificialidade do sucesso e o artificialismo da felicidade entra no consciente coletivo de milhões de serem humanos”, comenta o psiquiatra que defende a cura pela gestão da emoção.

“Ou seja, impugnar os níveis der ansiedade, discordar deles para podermos usar a energia da ansiedade para que estabilizar emoção, para ter prazer de viver, se relacionar de maneira inteligente das pessoas que estão ao nosso redor”, diz. Em entrevista, o autor de mais de 80 livros – entre eles ‘O Vendedor de Sonhos (2008, Planeta)’, ‘O Homem mais Inteligente da História’ (2016, Sextante) e ‘Você é Insubstituível’ (2018, Sextante) - Augusto Cury conversou sobre política, inteligência, dependência digital e como enfrentar os desafios dessa intoxicação. Veja a seguir.

O que você chama de era da intoxicação digital e por que ela preocupa tanto?

Algumas editoras me consideram o psiquiatra mais lido do mundo, mas, talvez, eu seja um dos psiquiatras mais preocupados por onde caminha a humanidade. Embora o digital tenha aumentado a produtividade, a sociabilidade e o acesso às informações, trouxe também na esteira consequências graves, porque mexer com o ciclo da dopamina e da serotonina gera uma dependência cruel. Isso tudo nos coloca na era dos mendigos emocionais. Fora das telas nada de importante ocorre, nada tem significado para fazer da sua história um espetáculo único e imperdível. 

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Augusto Cury

"Embora o digital tenha aumentado a produtividade, a sociabilidade e o acesso às informações, trouxe também na esteira consequências graves"

Parece que tudo ocorre nas telas digitais, mas, na verdade, no mundo digital, a artificialidade do sucesso e o artificialismo da felicidade entra no consciente coletivo de milhões de serem humanos que querem ter aquele sucesso, aquela felicidade que só existe nas telas. Só que a felicidade real não é ter uma alegria sempre. É também passar por angústia e superá-la. Não é ter tranquilidade sempre, é também passar por uma ansiedade e se reinventar diante dela. Ou seja, impugnar os níveis der ansiedade, discordar deles para podermos usar a energia da ansiedade, a fim de estabilizar a emoção, ter prazer de viver, se relacionar de maneira inteligente com pessoas que estão ao nosso redor.

Quais os impactos disso e o peso dessa intoxicação?

Temos uma emoção democrática que precisa de pequenos estímulos como abraços, elogios, apoios, encorajamentos. Uma necessidade de fazer da nossa história uma vida que valha a pena ser vivida para podermos, de fato, ter saúde emocional. Portanto, por ser democrática, a emoção precisa daquilo que o dinheiro não pode comprar e, infelizmente, as pessoas na sociedade moderna estão muito mais preocupadas em consumir do que em proteger a sua emoção, trabalhar perdas e frustrações, gerenciar seu estresse e aprender a contemplar o belo. 

A humanidade está adoecendo rápida e coletivamente porque sem gestão da emoção, ricos se tornam miseráveis, casais começam seu relacionamento no céu do afeto e terminam no inferno dos atritos. Sem gestão da emoção, executivos se tornam carrascos de si mesmos, cobram demais, aumentam os níveis de expetativas para serem felizes e jovens acabam asfixiando sua liberdade, seu encanto pela vida. Ou seja, rico é quem faz muito do pouco e o miserável - no ponto de vista psiquiátrico - é quem precisa de muitos estímulos para sentir migalhas de prazer. Eu tenho dito a muitos magistrados que fazem treinamentos comigo pelo Brasil todo que essa nova droga não-química, a droga digital não está na constituição.

E na política, tem havido intoxicação digital?

Claro, e muito. Estamos na era do radicalismo no mundo todo. Aumentou demais a intolerância sobre as frustrações, a intolerância aos diferentes e os políticos do mundo devem saber que só é digno do poder quem usa o poder para servir a sociedade e não quem usa o poder para a sociedade servir. Os políticos de direita e esquerda deveriam aprender todos os dias que só é digno de um cargo de liderança na sociedade se eles amam mais a sociedade do que o seu partido ou a sua ideologia. Mas, infelizmente, as críticas, as ofensas, as agressividades têm se multiplicado em todos os países e não apenas na política brasileira. Sinceramente, é preciso aprender as ferramentas de gestão da emoção para entender que cada ser humano é único. 

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Augusto Cury

"Estamos na era do radicalismo no mundo todo. Aumentou demais a intolerância sobre as frustrações, a intolerância aos diferentes"

Mesmo que ele pense diferente de mim, cada opositor não é um inimigo a ser abatido, mas é alguém que tem ideias, atitudes e visão de vida diferente da minha e que se aprendo a respeitá-lo na sua integralidade, consequentemente, eu também respeito minhas ideias e a minha visão de vida. Criamos assim, um ambiente democrático para que de fato a democracia seja o governo do povo e não o governo de uma minoria que detêm o poder e uma necessidade neurótica de ter as atenções sociais e de que o mundo gravite em torno dele, seja quem for ou qual o partido.

Há quase dois anos, você falou em um de seus livros sobre corrupção. Por que o tema é uma das principais questões da política no Brasil e tem tanto apelo na agenda pública?

O livro o Caçador de Corruptos (2022, Editora Planeta), na verdade, é uma história fictícia, mas que poderia caber em qualquer país onde um político acha que é fiel a sua consciência – “Eu jamais serei como Pedro que traiu os seus ideais” – ele diz. E aí, um personagem muito estranho o leva no tempo da traição e as perguntas que os soldados fizeram para Pedro também são feitas para ele. Ele aí ele percebe que também trai seus ideais. Levado à guilhotina, ele é transportado para outro evento que mostra que grande parte dos políticos não são fiéis a sua consciência, mas sim ao poder likes, visualizações do que, de fato, a sociedade. Infelizmente, no mundo todo, a política ela é um canteiro de pessoas que não tem uma empatia profunda, embora ainda haja exceções com uma capacidade de ser apaixonado pela humanidade e pensar a médio e longo prazo.

Vimos a polarização crescer tanto no Brasil quanto em outros países, com eleitores que vestem a camisa e defendem seus candidatos com unhas e dentes. O que leva o ser humano a esse envolvimento emocional e como a teoria da inteligência multifocal se aplica na hora de escolher em quem votar?

A teoria da inteligência multifocal contém 3 mil páginas sobre o processo de construção de pensamentos e de formação do 'eu' como gestor da mente humana e também outros fenômenos fundamentais para desenvolver a inteligência global. Em destaque, se penso antes de reagir, me coloco no lugar do outro, penso a médio e longo prazo e, não apenas, de forma imediatista. E se também avalio o candidato não pelo discurso superficial, nem pelo seu partido, mas pelo seu conteúdo - isso dá muito mais elementos para os eleitores poderem exercer solenemente o poder do voto. Os eleitores devem perceber que em segundos, eles exercem um poder enorme para a sociedade ter mais igualdade de oportunidade, ser mais justa, solidária e mais desenvolvida. Ou seja, não votar por impulso, discursos vazios e em profissionais que, na política, seduzem muito na hora do pleito, mas desaparecem após ter vencido.

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Augusto Cury

"Os eleitores devem perceber que em segundos, eles exercem um poder enorme para a sociedade ter mais igualdade de oportunidade, ser mais justa, solidária e mais desenvolvida"

Você tem defendido muito o fim da inteligência emocional e o início da era da gestão da emoção. Como lidar com os desafios da vida digital e os excessos de informações e conectividade?

Se a gestão da emoção se não se viabiliza, essa sociedade se torna doente, cartesiana, racionalista, entra em disputas irracionais. Gerir as emoções é parar a era do apontamento de falhas. Promover, sim, a era do 'eu' como gestor da mente humana, e mudarmos a sociedade passando do criticismo, da agressividade, da necessidade de estar sempre certo para nos colocarmos na era do ser humano em construção. Vejo pais, filhos, casais, vivendo na caverna do seu celular. As pessoas estão ilhadas, encarceradas em seus aparelhos, em seu feudo, comprometendo completamente os seus relacionamentos. 

Para termos relacionamentos saudáveis temos que abaixar o tom de voz, entender que ninguém muda ninguém, mas contribuir para que eles mudem. Isso acontece quando deixamos de ser criticistas, apoiamos, aplaudindo pequenos acertos e encorajando diante das suas mazelas e crises. Ninguém é maior e nem melhor do que ninguém. Tem que aprender a proteger sua emoção. A gente aprende que a matemática numérica é cartesiana: eu divido, eu diminuo. Mas na matemática da emoção, eu divido meus problemas, eu aumento a capacidade de superá-los.

É possível também sonhar e realizar esses sonhos em uma sociedade intoxicada?

Uma em cada duas pessoas vai desenvolver um transtorno psiquiátrico ao longo da vida. Estamos falando de metade dos alunos de uma escola, metade dos trabalhadores de uma empresa, metade de um país. Tem um programa que estou lançando mundialmente que é a Academia de Saúde Emocional Ame-se. Essa academia vai ensinar a baixar o tom de voz quando alguém o eleva, a conduzi-los a não apontar erros ou falhas, porque quem é só um apontador de erros está apto para lidar com máquinas e não para formar mentes brilhantes. 

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Augusto Cury

"Uma em cada duas pessoas vai desenvolver um transtorno psiquiátrico ao longo da vida. Estamos falando de metade dos alunos de uma escola, metade dos trabalhadores de uma empresa, metade de um país"

Na oração dos sábios, quando alguém me critica ou me ofende, eu começo a me recolher dentro de mim e a me questionar: quem me ofendeu, porque me ofendeu, em que circunstância me ofendeu, quais as respostas inteligentes para estimular quem me ofendeu a pensar antes de agir. Ser empático, ter uma atitude mais generosa e altruísta na sua relação comigo e com o mundo. Deixar de ser um apontador de falhas e se tornar celebradores de acertos, elogiar três vezes mais do que criticar. E quando forem criticar, usar a técnica de elogiar quem erra para depois falar do erro. E nunca fazer o contrário.

Como alcançar a cura?

Retrocedemos a era das pessoas ansiosas, criticistas, radicais e a era das pessoas que não sabem que ser feliz não é ter uma vida perfeita, mas transformar o caos em oportunidade, os dias mais tristes nos momentos mais solenes. Nunca colocar ponto final, mas, vírgulas para escrever os capítulos mais importantes da sua história. A sociedade vai se desintoxicar digitalmente? Essa é uma grande tese. Na época que o cigarro era uma moda há 100 anos, artistas, políticos, viviam fumando expelindo sua fumaça para os outros. Depois se percebeu que quem fumava cigarro por dia tem 20 chances a mais de ter câncer no pulmão do que quem não fuma. Outras doenças começaram a aparecer como doenças coronarianas, na vascularização cerebral também. 

Espero que cada vez, mais pessoas como eu e outros pensadores possam se levantar mostrando a gravidade da intoxicação digital e como isso tem escravizado milhões de seres humanos nessa sociedade supostamente moderna, mas que de moderna não em nada a não ser as telas digitais e o mundo tecnológico. A intoxicação digital precisa de gestão da emoção para combatê-la, aliviá-la e reciclá-la.

Quem é

Augusto Cury Criador da teoria da Inteligência Multifocal, Cury é psiquiatra, professor e um dos autores mais lidos no Brasil. Tem mais de 40 milhões de livros vendidos e traduzidos em mais de 70 países, abordando temas ligados à mente humana, inteligência e gestão das emoções. A publicação mais recente é a edição especial reunindo os cinco títulos da coleção ‘Análise da inteligência de Jesus Cristo’. Já o livro ‘Intoxicação Digital: Como Enfrentar o mal do Milênio’ foi lançado no ano passado.

Serviço

Gestão da Emoção na Era da Intoxicação Digital com Augusto Cury

Quando: 17 de outubro de 2024

Onde: Concha Acústica do TCA, Salvador

Ingressos: À venda no site Sympla

Valores: R$ 180 (inteira) e R$ 90 (meia-entrada)/ R$ 840 (Meet & Greet/ encontro com Cury após a palestra). Ingresso Solidário (1kg de alimento): R$ 126. Assinantes do jornal com Clube CORREIO tem 40% de desconto na inteira.