Conheça nova editora que se diz vira-lata e vende livros pelas ruas de Salvador
Editora Folhetim nasceu a partir da venda de balas e segue rumo à terceira obra publicada
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Carolina Cerqueira
ana.cerqueira@redebahia.com.br
Gabriel Lima, de 29 anos, e Antonio Lucas Bastos, de 24, tinham seis caixas de Halls compradas na Feira de São Joaquim e um sonho: ganhar dinheiro fazendo arte. Para isso, sabiam que primeiro teriam que investir. “Se desse errado, eu ia chupar bala até o final do ano”, pensou Gabriel. Mas deu certo.
Em um mês, os dois venderam 3.600 pacotes de Halls com um bilhete colado: “Você ajudou a Folhetim a vir ao mundo. Não é por nada não, mas você é foda!”. O lucro das vendas serviu para imprimir mil exemplares do primeiro livro e dar início à trajetória da Editora Folhetim.
De funcionários de uma empresa de proteção veicular e alunos de Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades e Artes Plásticas na Ufba, Gabriel e Antonio passaram a ser, respectivamente, o escritor e o ilustrador da nova editora soteropolitana. O nome faz jus ao formato: são narrativas literárias fictícias de 20 a 40 páginas para leitores a partir dos 12 anos, vendidas a R$19,90.
A proposta é levar a leitura para ônibus, metrôs, padarias, filas de espera. Por isso, as vendas acontecem nas ruas, da mesma forma que acontecia com os pacotes de Halls. A editora, que tem um cachorro como logo, se autodenomina vira-lata. “A gente não quer pagar pedágio para ninguém e nem depender de patrocínio porque isso compromete a liberdade”, explica Gabriel.
Quando o primeiro folhetim, “Resenha de Carnaval”, foi lançado, em janeiro deste ano, a dupla queria anunciar. Gabriel sonhou alto: um outdoor. Mas era muita burocracia, muito dinheiro. Conseguiram algo ainda melhor, com a cara da editora. Anunciaram em todos os telões da Estação da Lapa. A administração do local gostou do projeto e 150 mil reais foram reduzidos a zero.
Pelas ruas
O primeiro folhetim teve duas mil unidades vendidas em três meses. O segundo, lançado em abril, 670 em um mês. Para Gabriel, as vendas nas ruas são subestimadas, mas sustentam uma tradição antiga de uma parcela marginalizada da sociedade. “A gente aposta muito nesse modelo. Lembramos das ganhadeiras que vendiam nas ruas para conquistar suas alforrias”, coloca o escritor.
Antonio costuma circular pelo Rio Vermelho e, Gabriel, pelo Imbuí. Eles pedem permissão e apresentam o trabalho. As abordagens são contabilizadas com um contador, que serve como um medidor de sucesso. Já foram 25 mil abordagens em cinco meses, com uma conversão que varia de 10 a 30%. No verão, chegou a bater 60%.
A dupla também aproveitou a Bienal do Livro, que aconteceu em Salvador do final de abril ao começo de maio, para incrementar as vendas. Mas de um jeitinho vira-lata. Com ingressos, mas sem a credencial de vendedores, eles fizeram o papel de ambulantes no evento e venderam 245 exemplares.
A maior parte dos compradores da Folhetim é formada por leitores progressistas entre 25 e 35 anos, mas as abordagens nas ruas ajudam a atingir diversos perfis. “Uma vez, abordamos um rapaz que estava com duas moças num arrocha no maior clima de paquera. Para a nossa surpresa, ele comprou dois livros, deu um para cada. Já vendemos para avós que queriam presentear os netos, também tem o público nerd e os turistas que querem levar uma lembrança de Salvador”, conta Antonio.
A cara de Salvador
As histórias são ambientadas na cidade. A primeira fala sobre um rapaz do interior da Bahia que conhece pela primeira vez o Carnaval de Salvador. A segunda, intitulada “Segundas Intenções”, é uma história de vampiro protagonizada por um repositor de prateleiras de um supermercado que, no turno da madrugada, se envolve em uma trama de suspense.
A terceira já está no forno e deve ser lançada em julho. Ela vai narrar o triângulo amoroso entre um porteiro, uma manicure e um motorista de aplicativo soteropolitanos. As ideias ganham inspiração nas próprias vivências de Gabriel. Ele tem formação em porteiro vigia, curso que fez na intenção de arranjar um emprego noturno que o desse tempo de escrever enquanto ganhasse dinheiro.
O processo de produção dos folhetins começa com o texto, que também conta com os pitacos de Antonio. Depois, ele entra em cena de vez, para dar forma às palavras. No papel couchê, com o auxílio da tinta do tipo nanquim, os desenhos são feitos à mão.
O objetivo das obras é fazer as pessoas se reconhecerem nas narrativas e as aproximarem ainda mais do hábito da leitura. “Há uma concepção errada de que a população não lê, mas ela lê, sim, e quer algo de qualidade e, ao mesmo tempo, acessível. É isso que ofertamos”, coloca Gabriel.
Os leitores dão o feedback. Na última página dos folhetins, vai impressa a frase: “Gostou? Segue a gente no Instagram @editorafolhetim. Faça parte dessa história, fale da Folhetim para quem você ama”. “O público elogia, diz o que poderia ficar melhor, dá ideias”, destaca Antonio.
Há uma lista de planos para os próximos passos da Folhetim. O primeiro deles é conseguir lançar uma edição por mês. Vencida a etapa de validação do projeto da editora, agora a dupla quer expandir, adotando os pontos de vendas.
“Queremos levar os folhetins para serem expostos e estarem à venda em cafés, padarias, salões de beleza, hospitais, cantinas de colégio. A ideia é não restringir a literatura às livrarias”, explica Antonio. A meta é alcançar mil pontos de vendas em um prazo de um ano e meio.
Para isso, querem levar ao time mais ilustradores e escritores, além de um revisor e um colorista. Se conseguirem o apoio de um edital, já sabem o que fazer: levar os folhetins para presídios e colégios públicos. Mas não vão abandonar as ruas, querem continuar honrando o começo dessa história.