Conheça como funciona a produção baiana de mudas em uma das fazendas mais sustentáveis do país
Viveiro Anauá chega a cultivar 2,5 milhões de mudas de espécies nativas por ano e deve dobrar a produção que atende hoje, principalmente, ao mercado de carbono
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Priscila Natividade
priscila.oliveira@redebahia.com.br
Uma fazenda sustentável que nasceu de uma propriedade totalmente voltada à pecuária leiteira. O gado e as pastagens passaram a fazer parte de um sistema integrado ao cultivo de mudas de centenas de espécies que atendem, principalmente, a iniciativas de reflorestamento e de recuperação de áreas devastadas. São mudas de juçara, açaí, cacau, jequitibá e ipês que devem dobrar a produção da Fazenda Anauá nos próximos dois anos.
Essa é a semente que o agricultor Hudson Freire Laviola Filho, de 35 anos, vem plantando ao transformar a fazenda de 100 hectares da família em uma das propriedades mais sustentáveis do país. A aposta está na agrofloresta e no melhoramento e manutenção dos recursos e da biodiversidade, cuidados com o solo, água e os animais.
“Além do viveiro com foco em produção de mudas nativas diversas para projetos de restauração florestal e agroflorestas, iniciamos a recuperação de áreas da propriedade e desenvolvimentos de pesquisas em agrofloresta integrada com atenção especial às espécies nativas. A escolha pela produção de mudas veio com essa necessidade de regeneração florestal, alinhada à manutenção das poucas áreas preservadas em nosso território”, afirma.
Localizada no município de Caravelas, no sul da Bahia, desde 2011, a Fazenda Anauá, após 30 anos, redirecionou o eixo das atividades para se dedicar a produção de 2,5 milhões de mudas por ano. Quando tudo começou, eram 300 unidades. Desde então, o gado e as pastagens passaram a compor um sistema que inclui também a parceria com produtores locais no cultivo de frutíferas, como melancia, mamão e café, além de pesquisas para o desenvolvimento de outras microculturas.
Se ‘anauá’ vem do tupi que significa ‘árvore florida’, Hudson conta que uma das únicas árvores antigas próximas de onde seria mais tarde o viveiro de mudas, não por coincidência, era um ipê-amarelo. “Esta e outras árvores nasceram e vão nascer para florescer. Uma fazenda sustentável é um alinhamento econômico, social e ambiental. Seus valores vão além da produtividade”.
Com um modelo de produção que atende principalmente a empresas do mercado de carbono, a fazenda dispensa o uso de plásticos na produção de mudas com a adoção de uma embalagem biodegradável, feita de fibra de celulose e importada da Dinamarca. A Anauá é livre de uso de pesticidas químicos e utiliza tecnologias renováveis para produção de eletricidade e captação de água da chuva. Cerca de 80% do recurso utilizado na irrigação do viveiro vem do bombeamento proveniente de energia eólica. Como funciona uma fazenda sustentável que produz mudas para agroflorestas? Leia mais na entrevista.
O que levou a Anauá a se tornar uma fazenda sustentável e como você plantou essa semente?
Eu já tenho uma matriz forte porque eu fui criado em zona rural, passei os primeiros anos de vida aqui e sempre tive o pé na roça. No momento de universidade, quando comecei o curso de biologia, isso me trouxe muito para essa onda da riqueza natural, principalmente, no país que a gente vive, com toda essa diversidade. Então, eu decidi voltar para a roça e já vim com essa vontade de uma produção em harmonia com a natureza, o resgate e o reconhecimento das espécies locais. Esse fascínio só foi aumentando até o nascimento do viveiro e a integração com sistemas sustentáveis, um caminho que meu pai já vinha fazendo há mais tempo com a pecuária leiteira e hoje também com sistemas produtivos com o foco em cacau, juçara e espécies arbóreas nativas.
Como funciona uma fazenda de mudas para agroflorestas e o que essa cultura difere das outras?
Na verdade, o foco da produção do viveiro são espécies nativas para recuperação ambiental, mas também produzimos sob demanda espécies nativas madeiráveis, frutíferas e essências para arranjos agroflorestais como a juçara, açaí, cacau, jequitibás, ipês. Já nossas áreas internas de agrofloresta abrangem essas e outras espécies na integração com pastagens. Uma fazenda de mudas nativas se difere de uma fazenda comum, principalmente pela diversidade cultural. Como já praticamos centenas de espécies e rotineiramente estamos descobrindo novas, existe uma complexidade e necessidade de estudo maior nesse sentido.
No último ano, a Anauá conquistou o Prêmio Fazenda Sustentável na categoria pequenas propriedades, pela Globo Rural [Prêmio Fazenda Sustentável, da Editora Abril, que reconhece boas práticas sociais, ambientais e de governança de propriedades rurais brasileiras]. Como você chegou até essa transformação dentro de uma fazenda que se dedicou por 30 anos a produção leiteira?
O Anauá nasceu em 2011, dentro de uma fazenda da família que há mais de 30 anos era voltada a pecuária leiteira, mas já tinha práticas sustentáveis nesse setor como, por exemplo, o uso de produtos homeopáticos e a rotação de pastagens. Toda essa fusão e reintegração no meu retorno para a propriedade, a junção com o meu pai – que também se chama Hudson – tem prosperado e, cada vez, vem fazendo mais sentido para nós. Meu pai hoje é um pecuarista agricultor floresteiro, assim como minha mãe. Apesar de ser um modelo um pouco diferente do meu, a gente acabou unindo a expertise do que ele tinha conquistado até aqui – não somente na propriedade, mas no histórico da vida dele – com as ideias que eu trouxe.
Quais os desafios desse processo de integração?
Claro que quando você está propondo algo novo, uma realidade nova, passa por uma diversidade de desafios porque tem também essa questão dos erros e acertos. Porém, a integração dá essa oportunidade, não só de melhorar ambientalmente as qualidades estruturais de solo, o resgate de fauna, da vida, da ecologia, mas de proporcionar diversidade em uma propriedade nossa que possa se sustentar e ser realmente sustentável.
Essa transição vem acontecendo. Na verdade, não somente a transição, mas a integração. Ainda temos atividade na área de pastagem, mas o grande foco da propriedade está no viveiro, na produção escalonada de mudas nativas. Há sempre uma sincronia e uma integração de todas essas atividades. Estamos juntos em todas as atividades e isso acabou puxando meu pai para a energia do viveiro. Temos um pequeno longo caminho pela frente.
Hudson Anauá
"Ainda temos atividade na área de pastagem, mas o grande foco da propriedade está no viveiro, na produção escalonada de mudas nativas. Há sempre uma sincronia e uma integração de todas essas atividades"
De que maneira você enxerga o potencial desse tipo de cultura, sobretudo, na Bahia?
Agroflorestas biodiversas com integração de espécies nativas e práticas agroecológicas podem resgatar e acelerar os processos de regeneração garantindo qualidade de vida e estabilidade econômica. Um agricultor agroflorestal não se separa ou difere do agronegócio. A integração já não é somente uma realidade, mas uma necessidade diante das mudanças climáticas. Estamos em uma das maiores áreas de biodiversidade do planeta, altamente ameaçadas pelo mau uso do solo. Nesse momento, o mercado de captura de carbono em áreas degradadas tem efetuado os maiores plantios em escala de espécies nativas voltadas a recuperação de áreas degradadas. Nos últimos anos, triplicamos a nossa capacidade produtiva. Quando começamos foi um grande desafio porque as empresas buscavam as mudas apenas para atender demandas de fiscalização. Agora temos um novo cenário, que nos levou a ampliar nossa capacidade, desenvolver parcerias, inclusive, com instituições estrangeiras, principalmente em Moçambique.
Quais os avanços e inovações você destaca também?
Já temos hoje uma produção de mudas baseada em embalagens biodegradáveis, fomentando o uso dessa tecnologia em todo o Brasil pela nossa representação. O viveiro foi um dos pioneiros a trazer uma tecnologia dinamarquesa em que a base da embalagem das mudas é de fibra de celulose. O paperPot, da Ellepot, dispensa o uso de plástico. Toda essa tecnologia, aliada às técnicas de manejo aplicadas na produção interna do viveiro com estufas automatizadas, reforça esses avanços. Estamos também na Amazônia entrando com a bandeira Anauá, trabalhando com a expectativa de ampliar esse know-how associado a toda tecnologia integrada ao nosso viveiro.
Quais são os próximos planos da fazenda quanto a integração de novos sistemas produtivos?
Existe um plano de médio a longo prazo em montar um laticínio que irá produzir leite e iogurte orgânicos. Antes de 2010, a fazenda já foi bem ativa na questão da produção leiteira chegando a tirar cerca de 750 a 1 mil litros de leite por dia. Meu pai trabalhava com leite orgânico mesmo sem essa certificação. Então, esse sonho é mais antigo, mas teve que ser postergado até pelo nosso foco no aumento da produtividade do viveiro. Porém, ele ainda existe. A gente tem a parte de estrutura quase toda pronta. Só precisamos equipar com alguns materiais para poder realizar esse sonho do laticínio. A ideia é que ele também esteja todo integrado com alguns produtos agroflorestais como o chocolate do cacau que estamos colhendo.
Hudson Anauá
"Só precisamos equipar com alguns materiais para poder realizar esse sonho do laticínio. A ideia é que ele também esteja todo integrado com alguns produtos agroflorestais como o chocolate do cacau que estamos colhendo"
É mesmo possível ter rentabilidade com respeito à natureza? Como fazer isso na prática?
Mais que possível é necessário neste momento planetário que estamos atravessando. Na prática, ainda temos muito que resgatar de conhecimento das riquezas que naturalmente são de nosso território. Além de desenvolvimento e pesquisa, necessitamos de apoio da sociedade para acelerarmos e tornar cada vez mais possível e real para mais produtores. Não temos muito tempo para isso, o clima está nos mostrando. É urgente.
QUEM É
Hudson Filho é sócio-proprietário do Viveiro Anauá. Produz mudas nativas há 10 anos e é consultor em reflorestamento, sistemas agroflorestais e recursos hídricos. Ele atua ainda na capacitação de temas ligados a coleta de sementes, construção de viveiros e produção de espécies nativas, voltada para aldeias, comunidades rurais, agricultores e estudantes, em regiões do Brasil e também na África, em Moçambique.
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