Uma questão de ambição
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Gabriel Galo
gabriel.galo@gpgalo.com
Quem pousa na velha cidade da Bahia já poderá enfrentar, se iniciado não for, uma certa dificuldade em entender o dialeto. Coisa de quem não esteve em contato com o baianês, ora. O vocabulário próprio se destaca do resto do país, fortalecendo a cultura local, aumentando o senso de comunidade. Pegou a visão, pai?
Então se plante porque o que tem se orquestrado nas ruas e becos e vielas de Salvador e fronteiras baianas é uma descomunicação que aperta a mente como o quê. Os tradicionalistas se arrepiam, pois não aceitam estrangeirismos. Aparentemente, no entanto, estão sendo vencidos pela necessidade funcional do que se avizinha.
“Ora, mas que homilia toda é essa, hômi de Deus? Largue sua palestra de uma vez”, gritam os mais afoitos, já não se segurando mais com essa zoada toda. E eu explico, sem medo de parecer adepto da importação de modas, mas tenho que me padecer de simpatia pelo movimento migratório que invade a Baía de Todos os Santos: os professores de espanhol.
“É a crise!” me contou em confidência um destes professores, que largou São Paulo para fazer casa em Salvador. Nascido em Buenos Aires, já tem parentes que vendem artesanato na Barra e Praia do Forte. “Foram eles que me contaram do que anda passando por aqui. Quando soube, vim correndo”.
Está em todo lugar, repare, espie só, orelhas com o radar ligado. Você vai ouvir algo parecido com isso. Dois amigos rivais se encontram:
- E aí, véi! Viu que meu Vitória brocou o Palmeiras? O Barradão voltou!
- ¿Cómo? No comprendo. Sólo hablo español.
Tem gente se retando com tanto disparate.
- Colé, man? Vai colar no baba amanhã?
- Por supuesto. Llevo la pelota!
- Mingula!
Virou corriqueiro, varreu a cidade como rastilho de pólvora.
Fonte Nova já virou Fuente Nueva. Edigar Junio já está se acostumando a ser chamado de Rúnio. Famosa torcida organizada já prepara faixas traduzidas para “hinchada”. Cervejarias se programam para lançar as piriguetes argentinas e uruguaias. Nesta buena onda, quem se deu bem foram as escolas de idiomas, que projetam lucros e tempos prósperos.
Acompanhei uma primeira aula ao vivo:
- Entonces. Primeira cosa que tenemos que aprender. No se dice “Bora, Baêa!”, decimos “Vamos, Baêa! ‘Vamos’ com som de 'bê'”.
A classe inteira repete: “Bamos, Baêa”. Um aluno do fundão levanta a mão e pergunta: “Professor! E brocação, como se diz?” No que o professor, sem deixar a peteca cair e sem desmanchar o penteado, larga a resposta na lata: “Sí, claro: Brocación”.
Pronto: baianizaram o portuñol. Porque a América é do tamanho da ambição do Bahia.
Gabriel Galo é administrador