Sérgio Costa: Cinquenta tons de China
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Da Redação
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“Querem comprar bolsas Louis Vuitton?”. A pergunta da chinesinha é direta. “Nesta cidade, somos conhecidos pela qualidade das imitações. Na China, elas são classificadas como ‘Super A’, A, B e C. As nossas são ‘Super A’: mesma qualidade do original”, vende seu peixe sem um pingo de rubor na face oriental.
Por uma incrível coincidência, as fábricas originais de muitas grifes globais ficam no país, onde questões de patentes seguem regras pouco ortodoxas. A indústria de imitações da cidade exporta para México, Paraguai e outros países.
A China, hoje, é uma terra de múltiplos tons. Seu crescimento é visível. Pequim parece um paliteiro de tantas gruas de construção civil. O metro quadrado no Centro chega a 15 mil dólares (R$ 45 mil). Xangai é uma floresta de prédios modernosos que furam as nuvens. As ruas de comércio e shoppings das duas cidades parecem num eterno Carnaval de tanta gente apinhada.
Na menor das quatro cidades que visitei nas últimas três semanas vivem oito milhões de habitantes. Xangai e Pequim têm mais de 20 milhões cada. O aeroporto da interiorana Chengdu se equivale ao de Guarulhos. Xi'an tem mais neon do que Times Square. As ruas estão repletas de carros novos de luxo: Lexus, Buicks etc. Nesses dias, contei quatro Ferraris, uma delas azul, padecendo como simples mortais em congestionamentos a perder de vista nas vias largas.
O cenário consumista não combina com a imagem que se projeta de um país comunista. Sim, comunista é o partido que está no poder há quase 70 anos. Na prática, capitalismo de estado dizem economistas. O Estado está em toda a parte. Nas ruas, vê-se um exagero de policiais e soldados. Vez por outra, temos a sensação de estar sendo observados por civis.
Os prédios das municipalidades são gigantescos, cheios de salas. A burocracia impera, mas hospitais e universidades são pagos. “Todo mundo quer ser funcionário público”, explica a chinesa. Menos pela estabilidade ou salário, sabe-se na sequência, do que pela viabilidade de ganhos alternativos que o crachá proporciona. Sim, há corrupção na China.
E jeitinho também para escapar da mão onipresente do Estado. A mesma moça que nos oferece bolsas tem uma lan house próxima à universidade e um serviço informal de massagem num apartamento alugado para isso. Massagem mesmo: de pés, coluna, etc.
“Se fosse na rua, o governo cobraria imposto”, diz a microempreendedora individual com altas ambições nos seus 24 anos e pouco mais de 1,50m. “Quero ganhar muito dinheiro para me aposentar aos 35 e curtir a vida. Quem sabe conhecer seu país?”.
Por que não vai de férias? “Como vocês aqui?”, ri. “Não temos férias. Apenas uma semana de feriado em outubro, quando se comemora a data nacional. Se parar de trabalhar, paro de receber e a concorrência é grande”.
O país de 1,3 bilhão de habitantes, dono da maior mão de obra do planeta, capaz de fabricar bolsas ‘Louis Vuitton’ de cinco qualidades (incluindo a original), não tem direito a férias remuneradas e, portanto, não para nunca, não pode parar e ninguém ainda decifrou aonde vai parar.
No topo da economia mundial já está. Seu desenvolvimento é baseado em poupança, investimentos e exportações. O consumo é gigantesco (US$ 1,4 trilhão/ano), a renda familiar crescente (US$ 5 trilhões/ano, com muita coisa não declarada fora disso) e a poupança interna é capaz de financiar a infraestrutura sem recorrer a crédito estrangeiro.
Agora, os chineses começam a ter recursos para gastar, além do básico, nas coisas que desejam. Leio nos jornais que as lojas de Nova York começam demitir empregados que falam português para contratar quem fala mandarim e fico pensando se o Brasil não caiu de um riquixá no meio dos hutongs de Pequim e ficou perdido por ali. (Obs: Não, não comprei nenhuma ‘Louis Vuitton’)
Sergio Costa é diretor de Redação do CORREIO