Sem território não tem quilombola
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Da Redação
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“Eu ainda faço roça. Sem roça, a gente não consegue fazer luta”, declarou Nilce Pontes Pereira, moradora do Quilombo Ribeirão Grande/Terra Seca (SP), em 2017. Sua fala traduz a centralidade do cultivo da terra na existência e na resistência quilombolas. Desde 1988, mulheres quilombolas protagonizam a proposição de políticas públicas relativas à titulação da terra e a direitos sociais.
Naquele contexto, o artigo 68 da Constituição Federal garantiu o direito ao reconhecimento e à propriedade territorial coletiva às comunidades remanescentes de quilombos - uma conquista dos movimentos negros rurais e urbanos. O texto jurídico por si só, porém, não era autoaplicável. Isso justificou a criação de outras normas legais, como o Decreto 4887/2003, que ressignificou o conceito de quilombo, visando facilitar a titulação das terras.
Ao mesmo tempo, as leis ambientais continuaram sendo operadas sob o interesse do agronegócio para barrar a efetivação do direito territorial. Populações tradicionais (caiçaras, ribeirinhas e quilombolas) e povos indígenas têm vivido sob o risco de expulsão de seus territórios em razão de proibições resultantes desse jogo jurídico. Na mesma região onde quilombolas não podem fazer roças, grandes empresários estabelecem hotéis, conseguem licenças para realizar atividades de mineração e setores da elite econômica constroem mansões de veraneio. É um cenário típico de racismo ambiental: quando há discriminação racial nas tomadas de decisões jurídicas e na efetivação das normas ambientais.
Essa violência tem se agigantado nos últimos anos. As feições genocidas das políticas fundiárias assumiram contornos mais dramáticos no governo atual: suspensão da destinação de terras para assentamentos, terras indígenas e territórios quilombolas; criação de mecanismos facilitadores da expansão do agronegócio e dos interesses do capital; intensificação da legalização da grilagem, sobretudo no Norte e no Centro-Oeste. Quando se trata de assassinato de lideranças ambientais e uso de agrotóxicos na produção de alimentos no mundo, o Brasil ocupa a triste primeira posição.
Frente a isso, irmanadas pelo princípio do “bem viver”, mulheres quilombolas realizam ações que buscam frear as tentativas de dissolução de modos de vida ancestrais por todo o país. O coletivo de mulheres da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais (Conaq) é um exemplo de combate pela terra e de existir no mundo fora das dinâmicas racistas e patriarcais. Uma expressão dessa força foi declarada por Dona Tiana, do Quilombo de Carrapatos da Tabatinga (MG): “Se as mulher se unir mesmo, rebenta cerca de arame, rebenta muro, rebenta tudo [...] Deixar abusar, fazer o que quer só porque sou negra? É ruim, heim!”.
Essa história está sendo escrita!
*Silvane Silva é doutora em História Social pela PUC-SP e integrante da Rede de HistoriadorXs NegrXs