Que domingo foi esse para o futebol baiano?
Gabriel Galo é baiano, torcedor do Vitória, administrador e escritor
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Gabriel Galo
gabriel.galo@gpgalo.com
Que domingo foi esse?
Foi marcada reunião nos arredores da cidade. Por debaixo dos panos mesmo, é para ninguém ficar sabendo. Um amigo que lá esteve me confidenciou. Contou-me que a Apama – Associação dos Previsores de Acontecimentos com Métodos Alternativos – se junta em grandes eventos improváveis para discutir técnicas e descobrir correlações.
Pois eis que ontem o inconcebível concebeu-se: Bahia e Vitória ganharam na mesma rodada do Brasileirão. Bateram equipes multicampeãs, de títulos, de receita e de audiência. E, gota d’água que justificou a convocação de assembleia geral de última hora: jogando bem.
Madrugada alta se fez e, no horário marcado, reuniram-se todos, com aparatos a tiracolo. Astrólogos disseram que foi um alinhamento de seres celestiais que construíram espiral de energia sobre Salvador.
Tarólogos, por outro lado, argumentaram, que estava tudo ali nas cartas. “Que cigana há de ter? Vai contra as raízes de seu povo. Mas, se precisar, dá para mandar um zap”, afirmou conhecida cigana que nunca tem ponto fixo de atendimento, sem pestanejar. Disse que quando tirou as cartas de sofridos torcedores, deu festa. Refez, e ainda mais uma, e, batata!, tudo igual.
Nos búzios, lançados em sacolejo por mãos hábeis, já estava sacramentado. A gente do sal grosso tinha certeza que foram eles, e mais ninguém.
Respeitando vez, cada um falava, explicava, racionalizava. Tentavam para si a pecha de descobridores das entranhas do mundo paralelo.
Mal sabiam eles que, no meio do grupo, havia um cético perdido: o meu amigo infiltrado. Ele coçava a cabeça em desaprovação. Virava os olhos, fazia caretas; conteve-se. Até que chegou sua hora.
Levantou-se devagar. Na lentidão de seu caminhar até o pequeno e improvisado palco, decidia se falaria o que pensava ou não. Seu dilema era se jogava para o grupo, se falava o que todos queriam ouvir, ou se lançava mão da sua verdade.
Subiu o pequeno degrau para encontrar um microfone a repousar no púlpito em sua frente. Limpou a garganta. Olhou para o público, que lhe fitava atento. Hesitou por um segundo. Deu boa-noite. Foi respondido sem entusiasmo. Com coragem que não sabe de onde tirou, discursou sobre linhas de 4 com pouco espaço entre elas; rapidez na recomposição; preparação para o contra-ataque; a chegada de Mancini; a entrada de Preto e a retomada do estilo de jogo de Guto Ferreira; uma menor agitação política nos clubes; preparação mental. Terminou falando que, claro, era necessário também um pouco de sorte.
Ao terminar, silêncio sepulcral se fez. Então a vaia, de início tímida, foi em crescente até tomar o auditório por completo.
Ramos de galhos de arruda, pés de coelho, trevos de quatro-folhas, um punhado de sal grosso e mais tais e afins, voaram em sua direção. Pôde ouvir voz ao fundo “Lava! Lava!”, para prontamente ser atendida por duas senhoras com vassouras e frascos de alfazema, que chegaram empurrando e de cara amarrada. Faziam sinal da cruz, reza e oferenda. “Xô! Limpa essa aura!”
Depois de alguns minutos, normalidade se refez. O presidente da associação subiu ao palco. Tomou o microfone para si, pediu desculpas. “Vamos agora retomar as atividades. Com vocês, Hamud, o leitor de borra de café!”, anunciou.
Foi aplaudido efusivamente.
“Isso, sim é ciência!”, ainda ouviu um dizer antes de ir embora.