Milagre de aniversário para o Vitória
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Gabriel Galo
gabriel.galo@gpgalo.com
Abalada, tristonha, enfurecida, descontente. Desesperançada. Assim estava a torcida do Vitória nas vésperas de seus 119 anos. Aniversário numa celebração sem glória, numa festa sem por quê, com gosto de tanto faz. Argumentaria aquele com fé inabalável que se trata de um exercício de paciência, de fazer jus à persistência de Jó. São seguidores sob a regência dos magnânimos do concílio de Canabrava, especialmente organizado para criar trabalhos que façam esmorecer até o mais forte Hércules. Reúnem-se em ideias onde apenas propostas infames e perdulárias são aceitas, azeitadas no mais fino óleo do desbaratino.
Aos montes, às entidades de preferência, no emaranhado do sincretismo religioso baiano, onde os fios da meada são indissociáveis de credo porque tudo é um, recaiam rezas e pedidos e súplicas aos prantos com o gosto salgado da indecência na garganta:
“Meus pais e mães, senhores de tudo quanto é mais sagrado, olhai por nós, pobres miseráveis que sofremos e choramos. Aqui, prestes a nos deitarmos com a desistência, sob o manto gelado do desmantelo, rogamos: operai o MILAGRE de aniversário, ó ser supremo. Pelo menos neste 13 de maio, só por hoje, vá, na moral, quebra essa. Por Mainha! Entendemos tratar-se de advento da mais divina impossibilidade. Cremos, contanto, na boa vontade e benevolência em favor daqueles cansados de apanhar!”
As instâncias do místico, envoltas em tantas cartas que pousavam nos Correios celestiais, reuniram-se em caráter de urgência. Coçavam a cabeça em dúvida. Não havia questão quanto ao merecimento da graça que aliviaria a dor, ó horda cambaleante, maltrapillha e morimbunda. O desafio era, digamos, operacional. “Será possível com essa zaga?” Além do mais, como convencer São Januário a abrir suas portas para o alheio?
Haja milagre e regência de articulações estelares! Temiam o esforço em vão, que culminaria numa discussão pautada pelo poder maior de um sistema defensivo que superaria as divindades em conjunto.
Moveram, por fim, as peças que lhe cabiam. Na queda da bolinha da programação rodada a rodada, decidiram-se por Vasco ou Paraná, prevalecendo o primeiro. “Zaga a zaga, vai ser quase um jogo de showbol!”, disse um mais zombeteiro, no que todos, que de graça entendiam, caíram na gargalhada.
Assentiram a necessidade de exercer influência no campo de jogo. Foi assim que mobilizaram para que certo volante com corte de cabelo ‘romano’ (aquele que represa água da chuva na careca rodeada de cabelos por todos os lados), incorporado pela sanha da arrogância da inquisição e da ameaça, ficasse de fora para não entregar a rapadura, como de costume. A certo atacante fizeram-no o buda reencarnado, pois de corpanzil semelhante.
De resto, foi um bate-rebate num fliperama estabanado, em que a bola era abatida a tacape. Manipulavam o bate-rebate ao vento de seus assoprões. Viram o tamanho da montanha a ser ultrapassada pelos pés atrapalhados de dito goleiro, que num gesto à la Salomão, foi herói e bandido ao mesmo tempo, provando que as forças que temiam os mestres do universo são brasileiras e não desistem nunca.
Ao fim e ao cabo, para alívio do conselho e alento da massa, o improvável se instalou, operando um milagre de aniversário. Se não afasta o Z4, ao menos evita a humilhação máxima. Em meio à contida comemoração, no entanto, ouve-se o tilintar de uma notificação chegando.
“Xi, galera. Para aí. Tem mais um trabalho daqueles... Não é aniversário, mas acho que o sistema de compensação do universo atuou. Agora é a vez de interceder pelo Bahia, contra o Palmeiras”. E o rebu se refez.
*Gabriel Galo é escritor