Haja fofoca
Jolivaldo Freitas é escritor e jornalista
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Da Redação
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O papa Francisco se retou lá em Lima, no Peru e deu puxão de orelha nas freiras. Foi um recado para as locais, mas com amplitude mundial. Ele disse com todas as letras que uma freira fofoqueira é uma terrorista, vez que a “fofoca é como o demônio; atira a bomba e destrói tudo”. O que o papa fez foi mostrar sua indignação por esse “esporte” universal mais que milenar, que aflige toda a humanidade. Fofoca ou “fuxico”, como chamamos na Bahia, é um problema grave que pode levar à depressão, arruinar famílias, empresas, políticos e toda uma plêiade de mortais. Fofoca hoje pode ser aquele fake news, a outra verdade, verdade relativa, pós-verdade. O cochichar do colega na mesa ao lado.
Já tratei desse assunto em outros artigos e também em comentário na rádio, mas é que sempre rende, ainda mais quando o primeiro-ministro de Deus aqui na Terra mostra sua indignação. É uma prática antiga no Brasil e a Bahia se especializou desde os tempos do descobrimento. Os portugueses trouxeram a fofoca, coisa que já estavam habituados a conviver por séculos com os mouros. Temos na fofoca uma prática intersocial em becos, avenidas, nos babas, comércio, escolas, secretarias, palácios, praias, igrejas, terreiros e, principalmente, no trabalho. O estudioso do tema Frank McAndrew, da universidade americana Knox College, observa que é um hábito dos tempos da caverna onde, para obter integração e sucesso social, era preciso saber da vida dos outros.
A Bahia gosta de uma fofoca como se viu em Gregório de Mattos, ele mesmo vítima que foi tanto que brigou com o arcebispo da Bahia em 1682 e perdeu o emprego que Dom Pedro II lhe arranjou de tesoureiro-mor da Sé. Nos diz: “Em cada porta um bem frequente olheiro/Que a vida do vizinho e da vizinha/Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha/Para o levar à praça e ao terreiro”. Machado de Assis trata do assunto no livro Quincas Borba: “Siqueira era indiscreto -, indiscreto no farejar e indagar negócios alheios”. Muitos autores consideram a fofoca uma falta de caráter.
Por todos os séculos, a fofoca grassa na Bahia. Antigamente no Porto de Salvador – no Cais do Ouro -, nas casas de tolerância da Ladeira da Montanha, na parte baixa do Elevador Lacerda, na Rua da Misericórdia, Taboão, Praça Municipal. A Rua Chile foi a mãe das fofocas desde quando se chamava Rua Direita do Palácio. Ali se reuniam seus fofoqueiros de plantão para falar mal de políticos, fazer intriga e falar mal dos amigos e comerciantes. No século passado, a fofoca era na porta da loja Sloper, na Duas Américas, no Palace Hotel, na descida do Pau da Bandeira. Também tinha no Café das Meninas na Ajuda, no restaurante Cacique da Castro Alves ou no Mosteiro de São Bento. A Câmara Municipal era antro de fuxico e traições. Se fofocava na senzala e na Casa Grande dos engenhos do Recôncavo.
A Bíblia cuida do assunto e diz que fofoqueiro é “alguém que revela segredos; que age como um traficante de escândalo”. Diz que é pecado. Sobre as freiras, elas que incitaram a este texto são citadas como fofoqueiras já no livro Amor de Perdição do escritor português Camilo Castelo Branco de 1861. No século XIX, as freiras do Convento do Desterro eram conhecidas por esconder grandes segredos, como a gravidez indesejada de uma filha de um rico ou um de nobre, mas bastava um desagrado que o segredo vinha abaixo. Sem rádio, TV, internet e cinema o que o baiano podia fazer era fofocar. E ficou viciado. Diz em Bahia Turva o saudoso poeta Waly Salomão: “Maré cheia de fofocas por todos os lados/do lado da corte e do lado do cortiço/do bairro burguês/e fofoca da maloca/do mocó do biongo da palafita de alagados. (...) Bahia de todas as trevas/Bahia de vistas turvas e língua de trapo/Bahia de tantas travas e cabrestos/e tramas e tramoias e taramelas/Obra-prima do bate-boca, do disse-me disse. ”
Jolivaldo Freitas é escritor e jornalista