Afinal, quem precisa de provas quanto se tem convicção?
-
Gabriel Galo
gabriel.galo@gpgalo.com
Quando Nilton Santos, em pleno Brasil e Espanha na Copa de 1962, deu dois passos para fora da grande área, exaltou-se a malandragem nacional. O pênalti claro para a brava seleção europeia, que pressionava e jogava melhor, transformou-se apenas em falta comum.
Já em 1986, Maradona elevou a mão ao centro do jogo pé-bola. Na trajetória à área inglesa, o genial argentino subiu com a mão esquerda esticando o alcance da cabeça. O murro querendo-escondido matou o goleiro, empatou o jogo, e na sequência o mesmo Maradona driblou toda a esquadra britânica para marcar um dos gols mais festejados em Copas do Mundo. Ainda assim, na memória do ano, conta mais o que ele mesmo convencionou chamar de “a mão de Deus”.
Há de se colocar em perspectiva as condições do apito naqueles tempos idos. Não havia a profusão de câmeras acompanhando cada lance, replays, e, hoje em dia, até o VAR e cinco árbitros em volta do gramado.
A matemática ludopédica sacramenta a fórmula do desmantelo: bola + mão + arbitragem = confusão. Convenhamos, a relação entre eles sempre foi conflituosa. E que gera situações mesa-redôndicas. Bola na mão ou mão na bola? Tudo provocantemente vago, lance interpretativo em sua essência.
Nesta 27° rodada do Brasileirão, o que se viu foi um estranho efeito reverso da malandragem de antanho com a estupidez não-mais-recôndita dos assopradores de apito. Parece que a avaliação microscópica dos movimentos na cancha fez a arbitragem, num último suspiro de liberdade pré-VAR, irem à forra. Levam a campo baldes e jacas, para chutá-los e enfiar-lhes os pés.
Às 11h, no Pacaembu, o Palmeiras foi prejudicado por gigantescos dois metros. Mão que era fora, virou dentro. Pênalti, moço de amarelo apontando a marca da cal, para desespero de qualquer pessoa com olhos e bom senso. No fim, o 1 cruzeirense não foi páreo para os 3 palmeirenses, novos líderes do certame.
Às 16h, o retrancado e sofrível Vitória largou na frente sem-querer-mas-valendo contra o poderoso Inter, em Porto Alegre. Sofreu o empate. E veio a agonia. Lucas Fernandes, tal qual Nilton Santos, sai da área. Mas, diferentemente do que se viu então, o fez antes de a bola entrar em jogo. E quando a redonda se chocou contra suas mãos – parte para proteger o rosto, parte para infantilmente interromper a trajetória da bola – estava metro para fora da grande área.
Pois o apito veio firme, embora com a mão tremendo, dedo em riste indicando um inexplicável e inescrupuloso pênalti. Raio caiu dobrado. Jogadores rubro-negros, com razão, protestaram indignados. O tal-maior nada disse. O quarto árbitro lavou as mãos. Chamaram no rádio, e o senhor supremo, divindade chula da desgraça alcançada, ignorou. Afinal, quem precisa de provas quanto se tem convicção?
O 2 do Inter superou o 1 rubro-negro, numa derrota previsível em termos de tabela, mas inaceitável na conjuntura da partida. Pois assistimos a mais uma demonstração inequívoca de um autoritarismo tosco e incompetente de quem sobe no púlpito do pequeno poder para fazer-se ditador por um átimo. Cansa essa gente infame e secundária que, para se fazer holofote, desestabiliza o que deveria ser mera diversão.
Gabriel Galo é escritor
Conceitos e opiniões expressos nos artigos são de responsabilidade exclusiva dos autores