Mortes de alunos geram traumas e prejudicam o aprendizado de colegas
Colégio Estadual Rubén Dario teve 116 jovens assassinados em 10 anos
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Bruno Wendel
bruno.cardoso@redebahia.com.br
O CORREIO esteve no último dia de julho, uma quarta-feira (31), no Colégio Rubén Dario, na Avenida San Martin, que, ao longo de 10 anos, perdeu 116 estudantes para a guerra do tráfico. Um vídeo que a reportagem teve acesso mostra o “arquivo morto” numa produção da Secretaria Estadual do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre). Ao chegar, a equipe encontrou com a professora Débora Oliveira. Questionada sobre a sua participação no vídeo e a temática, o reflexo da violência urbana no ambiente escolar, Oliveira esquivou. “É um assunto muito delicado, prefiro não falar”.
Em seguida, a reportagem foi recebida pelo vice-diretor, Sérgio Cabral, que por sua vez, disse que “a gente não está autorizado a falar pelo Estado”. Já o diretor, Antônio Pimenta, está afastado da função porque é candidato à Câmara de Vereadores nesta eleição. Os demais docentes que aparecem na gravação também foram procurados neste dia, mas um funcionário informou que “nenhum deles quer falar”.
Apesar de a direção proibir a entrevista com estudantes dentro do Rubén Dario, a reportagem falou com alguns deles fora da unidade. Ninguém tinha noção da quantidade de alunos que foram assassinados ao longo desses 10 anos. “Isso é terrível! Quer queira, quer não, estudavam com a gente, eram jovens como nós”, diz uma aluna do Ensino Médio.
“Estou chocada. A gente fica sabendo de um e outro, mas nunca paramos para refletir sobre quantidade”, emenda a amiga. Um rapaz disse que os óbitos são “reflexo de uma sociedade falida”. “Estão exterminando o futuro desta cidade. Eram pessoas envolvidas, mas estavam na escola em busca de um novo destino, que não fosse a morte”, diz ele. “Esses casos nos deixam abalados. Quando a notícia chega, da morte de um colega, penso logo: amanhã pode ser eu, um irmão, um primo, um vizinho. A gente sabe que, em tese, estamos seguros lá dentro, na sala, mas aqui fora, não”, complementa a amiga.
Mas nem sempre é assim. A reportagem conversou com uma aluna que relatou o seguinte: há dois anos, um homem baleado morreu dentro da escola. “Ele já tinha sido atingido, quando pulou o muro e caiu sem vida”, relata a jovem, que em seguida, aponta outras ocorrências. “O fundo da escola dá para uma comunidade. Quando há troca de tiros, eles fazem isso direto, pulam para fugir”, conta. A insegurança dentro da escola já foi denunciada pelo CORREIO. Somente neste ano, traficantes do Comando Vermelho já acessaram a escola pelo menos cinco vezes.
Para o psicólogo Gustavo Bicaia, o quantitativo das mortes é “impactante” e “sufocante”, quando “a gente pensa o que fazer diante disso, a sensação de impotência social que cada vez mais aumenta diante desses casos”. Segundo ele, a violência urbana dentro e fora da escola “pode ser uma fonte de uma experiência traumática”.
“E quando isso não é cuidado, acaba gerando uma série de implicações. Um dos primeiros impactos, a gente pode pensar no desempenho escolar, na expectativa da aprendizagem, então a gente não pode exigir ou pensar que aquela criança ou adolescente vai seguir ou manter o desempenho de alguém que está aprendendo em um lugar seguro”, explica.
Um outro impacto gerado é a falta de sensação de segurança. “Fortalecimento do medo e que isso cada vez mais vai desorganizando o emocional, podendo desenvolver transtornos, como ansiedade, depressão, estresse pós-traumático”, pontua Bicaia. Para ele, é importante que as escolas tenham uma equipe de atendimento psicossocial.
“Um psicólogo e uma assistente social para que possam fazer um acompanhamento durante o ano, fazer atividades e intervenções para todos que compõem a escola e de quem faz parte deste convívio, com a família e a comunidade. Quando a violência adentra o ambiente escolar, a gente não está falando só deste ambiente adoecido, mas sim de uma sociedade”, aponta.
Especialistas
Para o pesquisador Bruno Manso, do Núcleo de Estudo da Violência da USP (NEV-USP), essas mortes “muitas vezes estão ligadas nesse ciclo de vingança e conflitos entre bairros, que uma morte produz um efeito multiplicador e eles (jovens) passam a entrar em conflitos com grupos vizinhos e a enxergar sentido na própria vida a partir dessas guerras, que passam a travar com pessoas e grupos de territórios vistos como inimigos”.
Manso citou um caso semelhante ao do Rubén Dario em São Paulo. “Então eu acompanhei um colégio no Jardim Angela, que a diretora já tinha contabilizado mais de 100 mortos no trabalho dela”, conta Manso, que também é especialista no estudo das maiores organizações criminosas do país, o CV e o PCC (Primeiro Comando da Capital).
Ele destaca que a maioria das vítimas é do sexo masculino. “É uma forma que atiça a masculinidade, que puxa para esse espírito guerreiro, de confronto, de jogo e de disputa, que faz presente nesses contextos, desequilibrados de conflitos com muitas mortes. É um processo meio autodestrutivo e quem está no foco são jovens nessa fase de 15, 20 anos, que não ligam muito para as consequências”, diz Manso.
Dudu Ribeiro diz que é “importante a gente pensar a educação como fator protetivo da vida”. “Como a gente consegue garantir a parte de uma boa educação, a continuidade dos estudos e a reconstrução de perspectivas de vida, já que é também necessário investir na formação dentro da educação básica, da educação pública, sobretudo, a gente faz de que ela seja de fato uma possibilidade para esses meninos prospectarem possibilidades de vida”, pontua.
Procurado, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia (APLB) informa que o problema não é exclusivo do Rubén Dario e destaca o caso dos estudantes que são mortos por causa da rixa entre bairros. “Se um aluno mora no Alto do Cabrito e é matriculado no Lobato, ele vai ter problema. Se sai da Fazenda Grande do Retiro e vai para o Bom Juá, da mesma forma. De Brotas para Engenho Velho de Brotas e Cosme de Farias é a mesma coisa. O Tororó, que era tido como um lugar tranquilo, está assim. E não é só em Salvador. É na Bahia toda”, diz o coordenador-geral da APLB, Rui Oliveira. Segundo ele, a saída está nas aulas integrais. “Os alunos entrariam pela manhã e só sairiam à noite, assim evitaria o cooptação e parte dela pelo tráfico”, declara.
Posicionamentos:
O CORREIO cobrou o posicionamentos de alguns órgãos sobre a mortes de estudantes na violência urbana de Salvador. Em nota, o Ministério Público do Estado disse que “lamenta profundamente e vê com preocupação os impactos de ações criminosas na sociedade e, sobretudo, em relação a crianças e adolescentes”.
O MPBA disse também que tem atuado “firmemente na repressão contra organizações criminosas”. Ainda de acordo com a instituição, desde 2020, foram quase 150 operações, sendo mais de 30 apenas neste ano.
O Conselho Estadual de Educação da Bahia (CEE-BA) disse que lastimou “profundamente as trágicas mortes dos 116 estudantes do Colégio Estadual Rubén Dario”. “Estamos cientes do impacto devastador que a violência urbana tem sobre nossos jovens e sobre a comunidade escolar como um todo”, diz a nota. O CEE-BA informou que está atento “às questões que afetam diretamente a vida e a segurança dos nossos estudantes e buscamos, por meio de nossas ações de normatização pedagógica, mitigar os impactos da violência no ambiente escolar”. Em uma das ações, o órgão citou a criação do Programa de Atenção à Saúde e Valorização do Professor (PASVAP), “com o objetivo de promover o bem-estar físico e emocional dos educadores, servidores e estudantes”.
A reportagem enviou e-mails na quinta (1), sexta-feira (2), terça-feira (6) e quarta-feira (7) para a Secretaria de Educação do Estado (SEC), a Polícia Militar (PMBA) e a Secretaria de Segurança Pública (SSPBA) . Até o fechamento desta edição, na sexta-feira (9), não há resposta.