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Donaldson Gomes
Publicado em 11 de agosto de 2024 às 11:00
Após encolher ao ponto de representar hoje para a economia brasileira metade do que era na Década de 80, a indústria de transformação começa a ver, no fim do túnel, alguns sinais de luz. Embora ainda insuficiente, o mais reluzente deles é o direcionamento de recursos para fomentar o desenvolvimento do setor, a exemplo do que já acontece com o Plano Safra para a agricultura. Em pouco mais de seis meses, o Plano Mais Produção (P+P) já aprovou a destinação de R$ 115,3 bilhões em ações voltadas para aumentar a produtividade, estimular exportações, inovação e fomentar a economia verde em pouco mais de 92 mil projetos. Já foram desembolsados R$ 85 bilhões.
O Plano foi criado para viabilizar, de forma contínua, o financiamento da Nova Indústria Brasil (NIB), política industrial pensada para impulsionar um processo de reindustrialização brasileira em novas bases. O P+P anunciou, até o momento, R$ 300 bilhões para o financiamento de empresas e de institutos de ciência e tecnologia (ICTs) até 2026, ou cerca de R$ 75 bilhões por ano. A Bahia lidera a utilização das linhas de financiamento do P+P, operadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes). De acordo com os dados mais recentes do Painel do P+P, 3.181 projetos do setor industrial baiano foram aceitos e, juntos, somam R$ 3,8 bilhões, dos quais R$ 2,5 bilhões já foram desembolsados. Por aqui, os eixos mais procurados pela indústria foram os de produtividade e de inovação.
Pode ser difícil para os mais jovens acreditarem, mas nos anos 80, a indústria brasileira e a chinesa, que hoje dita os rumos econômicos do mundo, tinham praticamente o mesmo tamanho. De lá para cá, a indústria de transformação brasileira, que já chegou a responder por mais de 30% do (Produto Interno Brasil), hoje responde por apenas 15,1%. A chinesa responde por quase 29% dos US$ 8,65 trilhões do PIB de lá. No mercado externo, o Brasil, que já figurou entre os 10 maiores produtores industriais mundiais até 2014, hoje ocupa a 16ª posição, sendo ultrapassado por outras economias emergentes, como México, Indonésia, Rússia e Turquia.
Mas o drama nacional no mercado externo não se restringe à perda de participação, uma vez que é cada vez maior a presença de produtos menos sofisticados e complexos nas exportações. Em 10 anos, a participação dos bens de alta e média-alta intensidade tecnológica se reduziram de 21,6% para 14,5% hoje, de acordo com dados da analisados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Em contrapartida, cresceu a participação das exportações de bens não industriais: de 39,6% para 47,8%.
“A redução de participação da indústria na economia está longe de ser apenas um fenômeno brasileiro, muito menos baiano”, pondera Carlos Henrique Passos, presidente da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb). Este processo, acredita, se baseou na ideia difundida primeiro nas nações mais desenvolvidas economicamente, mas que se espalhou por muitos outros países, de que valeria a pena concentrar a produção industrial em países com mão de obra mais barata. “Produzir na Ásia era algo visto como um sinal de modernidade, mas o tempo mostrou que esta política foi equivocada. A pandemia mostrou isso com bastante clareza”, acredita Passos.
“Resgatar a indústria é um desafio para praticamente todos os países do mundo. O que se observa inclusive é que os países mais ricos encaram isso com política que implica em subsídios pesados, enquanto o Brasil, até por sua fragilidade fiscal, trouxe a questão, mas ainda muito aquém do que todos desejamos”, avalia.
Se a baixa disponibilidade de recursos financeiros coloca o Brasil em desvantagem, a indústria brasileira tem no desafio da descarbonização e da construção de uma economia verde grandes oportunidades, pondera Passos. “Há um movimento de busca por uma indústria mais verde e neste ponto o Brasil passa a ter um diferencial e, neste contexto, a Bahia tem um diferencial inclusive em relação ao Brasil”, acredita.
Passos cita tanto a disponibilidade de eletricidade de fontes renováveis, para limpar matriz energética das empresas, quanto a possibilidade de o estado se tornar uma potência na produção de hidrogênio verde, o que atenderia tanto as necessidades energéticas, quanto a de matérias-primas verdes para diversas indústrias.
“Eu tenho a maior convicção de que a disponibilidade de energia e matérias-primas verdes vai atrair empresas interessadas em descarbonizar os seus processos de produção”, analisa.
Carlos Henrique Passos avisa que o aproveitamento de todo o potencial do estado vai depender da superação de três enormes gargalos: formação de capital humano, infraestrutura e mercado consumidor interno. “De alguma maneira, estas três questões estão interconectadas. Se melhorarmos nosso capital humano e as nossas condições de infraestrutura, teremos um mercado interno mais movimentado”, diz.
Para Pedro Freitas, vice-presidente financeiro da Braskem,é muito importante que o governo ofereça algum tipo de apoio ao setor industrial. Ele destaca, dentro do NIB, a retomada do Reiq e do Reiq Investimento, que são regimes voltados ao fomento da indústria química. Freitas considera necessário pensar em soluções para problemas mais específicos que atingem a atividade industrial.
Como exemplo, ele cita a situação da indústria química que enfrenta um cenário global de excesso de oferta de produtos, o que leva as empresas a buscarem mercados com menos proteção aos seus mercados internos, como é o caso do Brasil.
“O excesso de oferta reduz resultados, a capacidade de fazer qualquer tipo de investimentos em transição energética. Estamos presenciando um avanço agressivo de importações no Brasil”, lamenta.
O vice-presidente da República e ministro do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Geraldo Alckmin, falou na abertura do seminário “Políticas Industriais no Brasil e no Mundo”, na última terça (dia 6), na Confederação Nacional da Indústria (CNI), em Brasília, sobre a importância da indústria para o país. “Não há desenvolvimento social e econômico, ganho de renda e salários de maior valor, se (o país) não tiver sua indústria, na ponta da vanguarda tecnológica”, afirmou.
Concorrência pesada
Enquanto o mercado nacional enfrenta concorrência pesada de produtos importados, as nações desenvolvidas têm investido pesadamente na retomada da atividade industrial. Quase 2 mil medidas de política industrial vêm sendo implementadas globalmente. Em 2023, as economias emergentes responderam por 29,1% das medidas, enquanto as economias avançadas responderam por 70,9%, segundo dados do Fundo Monetário Internacional.
Os Estados Unidos, por exemplo, destinaram US$ 1,9 trilhão para um conjunto de instrumentos e incentivos à sua industrialização verde, entre outros objetivos. A União Europeia mobilizou US$ 1,7 trilhão; o Reino Unido US$1,8 trilhão e o Japão, US$ 1,4 trilhão. No Nova Indústria Brasil, são R$ 300 bilhões – cerca de US$ 60 bilhões –, até 2026, pelo Plano Mais Produção – o que equivale a cerca de 3% do orçamento dos demais países.
“Estamos convictos de que a falta de uma política de Estado que valorizasse a indústria brasileira contribuiu para o baixo crescimento do Brasil. De 2013 a 2023, o PIB brasileiro apresentou um crescimento médio de 0,5% ao ano. No mesmo período, a agropecuária cresceu 3,3% ao ano, os serviços 0,8%, e a indústria encolheu 1,8% ao ano. O NIB une o país, os trabalhadores, o setor produtivo e todos aqueles que querem ver um Brasil voltar a crescer por ciclos maiores e a uma taxa maior do que 2,5% ou 3% ao ano”, avaliou o vice-presidente da CNI, Leonardo de Castro.
O diretor de Planejamento e Relacionamento Institucional do Bndes, Nelson Barbosa, enfatiza que uma economia forte depende de uma indústria forte e que se renove. “É preciso aumentar o volume de comércio industrial para inserir o Brasil, competitivamente, nas cadeias globais ou regionais de valor”, acredita.
“É preciso aumentar o volume de comércio industrial para inserir o Brasil, competitivamente, nas cadeias globais ou regionais de valor. É preciso ter sustentabilidade ambiental e social. Diante dos desafios da mudança climática, a política industrial tem de ser compatível com a redução de emissões, com o aumento da eficiência energética e com a preservação da biodiversidade”, aponta Barbosa.
Passos de tartaruga
O ritmo lento de crescimento da economia brasileira nos últimos anos coincide com o encolhimento da indústria no país. Entre 2012 e 2022, o PIB brasileiro apresentou crescimento de apenas 0,5% ao ano, em média. No mesmo período, a agropecuária cresceu 2,7% ao ano; os serviços cresceram 0,8% ao ano, enquanto a indústria de transformação encolheu 1,4% ao ano, em média.
O quadro é explicado pela falta de competitividade da indústria, resultante da baixa produtividade e dos elevados custos sistêmicos, conhecidos como Custo Brasil, associados à falta de uma estratégia de desenvolvimento industrial para o país. O diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI e presidente do Conselho de Administração do Bndes, Rafael Lucchesi, destaca a mudança no modo de fazer política industrial.
“A iniciativa brasileira se insere em uma janela de oportunidade histórica”, aponta. Lucchesi acredita que a situação brasileira é agravada por um processo precoce de desindustrialização. “O Brasil enfrenta um problema duplo, de um processo de industrialização tardia e desindustrialização precoce”, explica.
O segredo para recuperar o tempo perdido, acredita Lucchese, está na recolocação da industrialização como uma prioridade nacional, como já aconteceu no passado. “Durante cinco décadas, o Brasil teve uma obsessão em se industrializar. O país soube inclusive capturar as oportunidades geopolíticas, com tensões entre as principais economias e mudanças de eixos econômicos”, lembra. O dirigente lembra inclusive que o modelo brasileiro de industrialização foi modelo para países asiáticos, como a Coreia do Sul e a própria China.
No novo processo de industrialização, ele aponta a necessidade de colocar as mudanças climáticas no centro do debate. “O Brasil tem enormes vantagens neste processo, teremos que sair do combustível fóssil e somos o país que apresenta as maiores vantagens competitivas para a produção de energia verde”, pondera. “Só precisamos ter uma política para isso”.
Custo Brasil abocanha R$ 1,7 trilhão por ano
Além do desafio de disputar o mercado com outras nações que investem mais pesadamente no desenvolvimento da atividade industrial, o Brasil ainda precisa lidar com uma série de gargalos que travam o crescimento industrial. Amarras que vão desde juros artificialmente elevados, infraestrutura ineficiente e insegurança jurídica, entre outros aspectos compõem a fórmula do chamado Custo Brasil.
A estimativa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) é de que o conjunto de ineficiências próprias ao país custem o equivalente a 20% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, alcançando a cifra de R$ 1,7 trilhão por ano. Quando uma empresa leva entre 1.483 horas e 1.501 horas no processo de apuração, preparação da documentação, declaração e pagamento de tributo, um tempo muito superior ao de qualquer lugar do mundo, é a mercadoria e o serviço nacional que ficam mais caros. A má qualidade da infraestrutura, como a falta de ferrovias, explica o elevado custo do frete.
O Brasil abriu mão da indústria como o principal motor da sua economia cedo demais, O diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI e presidente do Conselho de Administração do Bndes, Rafael Lucchesi. Segundo ele, o país, que demorou a se industrializar, copiou o modelo de desenvolvimento de economias mais maduras, como os Estados Unidos e a Europa, que optaram pelo investimento numa economia mais baseada nos serviços. A diferença é que, ao contrário do que aconteceu por aqui, estes países usufruíram por muitos anos dos benefícios da industrialização.
“A indústria empurra a economia para cima. Os países de industrialização original foram sofisticando o seu tecido econômico e criando uma dinâmica de classe média, que sofistica o consumo”, explica. “Pessoas com bons recursos aquisitivos consomem mais serviços, este é o jogo do sistema econômico”.
Sem ter estabelecido esta base de consumidores, o Brasil passou a criar dificuldades para o desenvolvimento da indústria desde a Década de 80, analisa Lucchese. “Estávamos sempre entre a sexta e sétima economia do mundo, até que, depois de um ciclo longo de instabilidade monetária, com muita abertura irresponsável, passamos a sangrar o setor industrial”, analisa.
“Estamos entre os 20 países com as piores taxas de investimentos, porque temos juros muito altos”, diz.
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