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Uma passarela que reflete a diversidade

O papel dos eventos e das agências de moda na ampliação da representatividade em seus casting

  • Foto do(a) author(a) Luiza Gonçalves
  • Luiza Gonçalves

Publicado em 16 de novembro de 2024 às 07:59

Maurício: 1º modelo surdo do casting AFD
Maurício: 1º modelo surdo do casting AFD Crédito: Paula Froes

Som a postos, plateia animada, modelos concentrados: começar o Afro Fashion Day 2024. O primeiro bloco do desfile, realizado no dia 1º de novembro, foi nomeado de  Ancestral, prestando homenagem à música e às religiões afro-brasileiras, com looks de tons claros e materiais com trabalho manual. Pouco a pouco, a passarela foi tomada por modelos, entre eles Maurício Rosário, 31 anos, morador do IAPI. Foram anos tentando a carreira de modelo em São Paulo e Salvador até ser um dos escolhidos nas seletivas de bairro deste ano.

Essa conquista tornou-se ainda mais especial, segundo Maurício, por ele ser o primeiro modelo surdo a integrar o casting do AFD. “É um sonho para mim desde criança ser modelo, e eu lutei e consegui. Então, o que eu tenho para dizer é que qualquer pessoa com deficiência também pode. Essa igualdade é um direito de todos, então me sinto muito emocionado e feliz por estar aqui hoje. Me sinto representando a minha comunidade surda”, disse ele momentos antes do desfile.

O Afro Fashion Day nasceu da provocação de criar um evento que celebrasse a negritude e fomentasse o cenário da moda negra em Salvador, tendo a diversidade como um de seus principais pilares. O objetivo de representar a população negra era atingido, mas ainda não de forma integral, como revela o curador do desfile, Fagner Bispo: “Acho que começamos a perceber de fato a importância disso quando passamos a fazer as seletivas de bairros na terceira edição. Percebemos que, enquanto selecionávamos apenas modelos de agências, eles eram em sua maioria mais padronizados, com corpo magro e alto. Nas seletivas de bairro, era totalmente diferente; havia todo tipo de pessoa, e começamos a olhar mais fundo para essa questão de diversidade de corpos”, relembra.

Desde 2017, o Afro Fashion Day  se tornou ainda mais diverso, pontua Fagner, com mais modelos plus size, de variadas idades e PCDs. A cada ano, a meta é compreender as necessidades e ampliar essa presença na passarela: “Uma pessoa PCD também consome moda. Então, nada mais justo do que ela estar ali na passarela. É um público que precisa se sentir representado.”

“Quando eu era criança, não tinha nenhuma representatividade. Não via pessoas com deficiência na TV, na moda, na mídia, em quase nenhum espaço”, compartilha Glaucia Jeam. Estreando no AFD 2024, a jovem de Cajazeiras relembra que só encontrou influências PCD já na fase adulta, o que fazia com que ocupações como estar na moda não se apresentassem como uma opção para ela.

Glaucia: incentivo a  outras pessoas PCD
Glaucia: incentivo a outras pessoas PCD Crédito: Paula Froes

Hoje, Glaucia  vê no Afro uma oportunidade de não só se descobrir como modelo, mas também incentivar outras pessoas PCD a tentarem o desfile. “Eu nunca achei que poderia estar na moda. Eu tenho algo que muitas pessoas na sociedade entendem como um defeito. Então, acho importante estar aqui justamente para que as pessoas vejam que esse espaço é para todos”, contou, animada.

Fagner Bispo destaca um fator importante para garantir que pessoas PCD, que possuem interesse ou curiosidade de ingressar na moda, consigam de fato acessar campanhas e desfiles: as agências. “As agências têm um papel muito importante porque são o intermediário entre a maioria dos modelos e o evento”, afirma. Um papel que foi salientado por Marlon Júnio, diretor da agência Home Models:

“Ter modelos, PCDs e outros tipos de diversidade é muito bom para nós, enquanto agência, porque isso significa que teremos material para mostrar aos clientes e aos aspirantes a modelo, provando que é possível. Quando eles chegam até nós e mostramos modelos como Gisele Bündchen ou Adriana Lima, às vezes, não conseguem se ver nessa realidade. Quando temos representantes que refletem o universo deles, é muito mais fácil fazer com que acreditem que é real e que podemos trabalhar juntos”, explica.

Marlon compartilha ainda a experiência recente de trabalhar com modelos neurodivergentes em sua agência, o que o levou a repensar alguns elementos do curso de passarela que oferecem. “São modelos no espectro autista, e o mais prazeroso foi o quanto aprendemos com eles, pois, obviamente, tivemos que reformular o conteúdo do curso, ajustando o formato das aulas, a questão do barulho, pois são pessoas sensíveis a sons, etc. E o mais gratificante foi ver a recepção dos agenciados; eles se sentiram acolhidos, e os familiares nos enviaram mensagens de agradecimento. Ficamos muito felizes com esse feedback positivo”, relata.

“O espaço está se abrindo, está melhorando, mas ainda temos um longo caminho pela frente. Precisamos ter 10, 15, 20, a mesma quantidade de modelos PCDs que de modelos sem deficiência. É uma maratona, mas vamos chegar lá. E, com certeza, temos que ser um espelho sempre. Para refletir para o outro, para que ele se identifique ali e veja que, naquele exemplo, naquela referência, ele pode ser igual”, resume Pepe Santos, coordenador e booker fashion da agência One Models.

O Afro Fashion Day é um projeto do jornal Correio com patrocínio da Avon e Bracell, apoio CAIXA, Shopping Barra, Salvador Bahia Airport e Wilson Sons e apoio institucional do Sebrae e Prefeitura Municipal de Salvador.