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Luiza Gonçalves
Publicado em 16 de novembro de 2024 às 08:04
O AFD 2024 promoveu um encontro entre a música e a moda baiana, a partir dos designs de 40 criadores que, em meio a um mar de referências e possibilidades, traduziram para si e para a plateia o que há de mais forte nas sonoridades que representam a Bahia. Ancestralidade, festividade e criatividade foram os eixos norteadores do desfile, que contou com criações diversas, desde modelos mais tradicionais em homenagem às religiões de matriz africana, passando pelo clássico e moderno inspirado nos blocos afro, até abarcar silhuetas futuristas e ousadas.Experimentações estéticas e materiais não convencionais nos looks ganharam a passarela em roupas obra de arte.
Os detalhes brilhantes nos designs do estilista Christian Silva ganhavam um toque surpresa se observados com atenção. Em meio à alfaiataria laranja, estavam aplicações em cascata feitas de lâminas de garrafa PET. Parte do bloco contemporâneo do desfile, Christian decidiu apostar no uso de recicláveis em sua segunda participação no AFD.
“Após algumas reflexões e pesquisas, cheguei ao consenso de trabalhar com a garrafa PET. Surgiram várias questões sobre como eu poderia moldá-las e integrá-las na peça. Voltamos para a referência de Carlinhos Brown e, ao pesquisar sobre ele, vi um de seus instrumentos feitos com tampinhas de garrafa PET, que produzem um som único. Achei isso fascinante: ele recicla algo que iria para o lixo, transformando-o em instrumento. E pensei: por que não fazer isso na peça como uma forma de homenageá-lo? Assim, procurei recriar esse conceito na peça, inspirando-me também no som especial que o instrumento principal dele transmite”, explica.
Essa foi a primeira vez que o designer trabalhou com materiais não convencionais, envolvendo uma cadeia de etapas: corte das garrafas, higienização, texturização e aplicação. Para acompanhar as peças, Christian investiu em biojoias inspiradas nas roupas e feitas manualmente com o próprio tecido das peças, além das garrafas. “Esse trabalho reflete não só o nosso país, mas o mundo inteiro, que enfrenta os efeitos das mudanças climáticas. Por que não focarmos mais em reutilizar, refazer e transformar? Essa era a proposta; algo que seria descartado transformou-se em moda e arte”, defende.
A diversidade de matéria-prima também foi explorada pelos estilistas que já têm o costume da prática e mais tempo de Afro, como é o caso de Filipe Dias e Mário Farias. “É uma assinatura minha enquanto designer, estilista, a utilização de materiais não convencionais para confecção do vestuário”, diz Filipe. O baiano, presente na passarela do desfile desde 2016, é conhecido pelo trabalho com peças conceituais, exclusivas, artísticas e experimentais. Neste ano, ele assinou seis looks, dentre eles quatro no bloco Festivo, em monocromia com as cores clássicas dos blocos afro – amarelo, vermelho, verde e preto – com elementos em EVA e nylon, que, apesar de ser utilizado para vestuário, não é tecnicamente ergonômico para a confecção de peças, explica o estilista.
“Eu sempre gostei de trabalhar com materiais não convencionais, desse desafio de ver o que aquele material pode resultar na construção da peça, então isso me permite ir além nas minhas criações conceituais”, partilha Mario Farias. Baseado no tema musical, seus três designs para o Afro Fashion Day foram inspirados pelo xequerê e atabaque, utilizando tecidos e também emborrachados. Pensar a construção inicial foi um desafio, revela Mário, porém ele acredita que o uso do EVA ofereceu a mesma versatilidade de tecidos comuns, “dando assim o efeito estruturado e de estamparia, com base nas inspirações dos instrumentos e também nos bancos, mesas e barracas das festas de largo dos anos 80 e 90 que eram presentes em suas pinturas”, detalha.
Amanda Leite, da marca Kriaçã1, foi a responsável pelo último look a entrar na passarela antes da convidada Larissa Luz. Uma imagem que surpreendeu o público: em direção à passarela, um modelo trajando um manto de garrafas PET ganhava o recinto. O turbante e os acessórios davam uma pista da inspiração. “É uma homenagem a Carlinhos Brown, a ele naquele momento do Rock in Rio, onde ele tomou as garrafadas em 2001. Fiz o manto para ressignificar aquele momento”, diz.
A roupa é um dos três designs feitos pela Kriaçã1 inspirados pelos tambores e na entidade Ayangalu, orixá do ritmo. Uma “instalação artística” na passarela, pontua, composta por garrafas plásticas e estrutura feita de acrílico e sucata, com a contribuição de catadoras de recicláveis na Cidade Baixa para a obtenção da matéria-prima. “O nome dessa roupa é Ecoar e Ecoar de eco enquanto casa, mas eco também de reverberação, de ecoar a nossa arte, reverberar para o mundo. Então essa roupa é sobre sustentabilidade, essa roupa é sobre reverberação das nossas vozes, enquanto pessoas, enquanto artistas afro-brasileiros. É sobre ser semente”, finaliza.
O Afro Fashion Day é um projeto do jornal Correio com patrocínio da Avon e Bracell, apoio CAIXA, Shopping Barra, Salvador Bahia Airport e Wilson Sons e apoio institucional do Sebrae e Prefeitura Municipal de Salvador.