De estudante a advogado: 118 baianos tentam sonho de desfilar no AFD 2024

Última seletiva de bairros aconteceu no Espaço Boca de Brasa, em Cajazeiras, na tarde desta terça-feira (17)

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  • Larissa Almeida

Publicado em 17 de setembro de 2024 às 19:32

Seletiva de bairros, em Cajazeiras, contou com participantes de todas as idades Crédito: Ana Lucia Albuquerque/CORREIO

Do lado de fora do Espaço Boca de Brasa, no bairro de Cajazeiras, a ansiedade no rosto daqueles e daquelas que caminharam em direção ao auditório do local, na tarde desta terça-feira (17), era quase palpável. Acompanhados ou não, foram poucos os que não checaram o cabelo, retocaram o gloss ou pediram o conselho de alguém para saber se estava tudo certo com a aparência.

Ao adentrarem o espaço e encararem os concorrentes, no entanto, tudo mudou: a postura se tornou ereta e a expressão se transformou em uma mais confiante. Foi assim com praticamente todos os 118 aspirantes a modelos que participaram da segunda e última seletiva de bairros para o Afro Fashion Day (AFD), que este ano acontecerá no dia 1º de novembro, na Praça do Campo Grande, em Salvador, abrindo o mês em que se celebra a Consciência Negra, com o tema “Música – Resgatando raízes e elevando vozes”..

A crença de que precisavam demonstrar confiança não era apenas para impressionar os jurados, mas também para conseguir a melhor execução durante a busca do sonho de desfilar na passarela mais negra do Brasil. “Eu fiz a primeira seletiva para modelo na semana passada, que foi para um desfile no Pelourinho. Não fiquei 100% satisfeito porque achei que eu poderia entregar mais, então vim aqui tentar mais uma chance”, afirmou o produtor cultural e comunicador Henrique Nogueira, de 20 anos.

“Me desloquei de Brotas até aqui, não almocei e cancelei uma viagem que tinha marcada para hoje de manhã, porque só vi a divulgação dessa seletiva ontem. O que me impulsiona a seguir esse sonho é poder fazer a diferença no meio em que cresci. É por isso que é muito importante essa seletiva estar acontecendo aqui em Cajazeiras”, completou Henrique.

Poder participar da seletiva, por sua vez, já foi a realização de um sonho para o advogado e ator Fabio Mattos, que levou a tira colo a amiga Sara Bitiara, de 37 anos. “São desejos que nós trouxemos do nosso passado, da infância e adolescência. Quando criança, eu pensava muito em ser modelo, mas não tinha condições financeiras. Depois tive que cuidar dos irmãos e dos filhos, e precisei trabalhar para sobreviver. Também me intimidava muito o padrão de moda estabelecido naquela época, o que me deixava frustrado. Agora, é hora de correr atrás. E o Afro Fashion Day é a oportunidade para a inclusão social e realização de sonhos. Estou na expectativa de ser um dos escolhidos”, disse.

Sara Bitiara e Fabio Mattos participaram pela primeira vez de uma seletiva para modelar Crédito: Ana Lucia Albuquerque/CORREIO

A psicóloga Sara Bitiara, que se permitiu ser levada por Fabio, contou que aceitou a proposta de participar da seleção porque acredita que não existe tempo para se desafiar. “Aos 37 anos, estou resgatando essa essência e beleza que existe dentro de mim. Estou entendendo que corpos existem de todas as formas, independente de idade. E o Afro Fashion Day é um projeto com o qual me identifico, porque fala sobre minha ancestralidade, o meu povo e a minha história”, ressaltou.

Por entender que a exaltação da beleza negra é – a seu modo e guardadas as proporções – a continuidade da realeza dos povos negros antes do processo de escravização, a estudante Maria Eduarda Santana, 16 anos, é determinada ao investir esforços para alavancar a carreira como modelo. “Eu fiquei sabendo que teria a primeira seletiva na semana passada, mas não pude ir por motivos pessoais. Eu coloquei na cabeça que, independentemente do lugar, eu iria para a segunda. E hoje foi uma experiência sensacional. Só de ver outras pessoas da minha cor, buscando espaço nesses lugares que muito nos é negado, já valeu a pena”, enfatizou.

Maria Eduarda Santana Crédito: Ana Lucia Albuquerque/CORREIO

Já no fim da tarde, os amigos Ruan Saulo, 19, e Dandara Namibia, 21, fizeram o trajeto dos demais participantes: pegaram uma ficha, tiraram foto e, na sequência, desfilaram para os jurados. A única diferença é que esta foi a segunda vez que isso ocorria exatamente da mesma forma, uma vez que ambos participaram da seletiva do ano passado, juntos. Dandara passou, enquanto Ruan se dedicou a torcer com veemência pela amiga.

“Eu estava gritando, quase na beira do palco, batendo na passarela como um fã ao vê-la passar. Isso é porque a gente tem que exaltar os nossos. O AFD tem esse negócio de juntar a galera e é sempre esse fervo de um ajudando o outro. ‘Amiga, sua roupa, seu salto. E ajeita o cabelo. Ajeita o black, passa o gloss’. É união mesmo. Qualquer um de nós que passar, vamos apoiar no dia do desfile, aplaudindo e gritando o nome”, garantiu Ruan.