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Tailane Muniz
Publicado em 21 de junho de 2017 às 16:27
- Atualizado há 2 anos
Dois meses antes de ser assassinada a facadas pelo próprio marido, no dia 9 de junho, na Ilha de Vera Cruz, a pedagoga Helem Moreira dos Santos, 28 anos, relatou a uma amiga que o companheiro, o taxista Ângelo da Silva, 25, não aceitava o fim do relacionamento. "Terminei mas ele não aceita bem, fica ligando e vindo aqui", afirmou ela, no dia 14 de abril, em conversa registrada pelo aplicativo WhatsApp. A pedagoga comentou, ainda, a necessidade de sair de casa. "Isso está me deixando ansiosa, quero sair um pouco", completou Helem. O desabafo foi feito à amiga Thiffany Odara, 27, que cedeu as conversas com exclusividade ao CORREIO. "Ela contava muito comigo nesse sentido, éramos muito envolvidas com a causa feminista e negra. Nesse dia, perguntou se eu conhecia alguém no interior que pudesse recebê-la por um tempo, porque ele não aceitava o fim", relata a amiga, acrescentando, porém, que Helem não acreditava que pudesse ser morta pelo suspeito, que se entregou à polícia três dias após o crime. Em conversa com amiga, a pedagoga relata que o marido não aceita fim de relacionamento(Foto: Reprodução)Em depoimento, Ângelo alegou ter matado a esposa após ter acesso a um vídeo íntimo de Helem com outro homem. De acordo com o titular da 24ª Delegacia (Vera Cruz), Geovane Paranhos, ele afirmou ter "perdido a cabeça" ao ver as imagens. "No vídeo não é possível ver o rosto do homem, mas ele garantiu que não seria ele. Durante o relato, disse que já estava desconfiado da atitude da esposa há algum tempo", afirmou Paranhos.O conteúdo do vídeo, segundo informou amigos próximos de Helem ao CORREIO, se tornou público em toda ilha. "É uma tentativa de se vitimar, porque o homem machista se sente dono do corpo da mulher e acha que a mulher tem que pagar com a vida", salienta Thiffany. "Infelizmente, nós vivemos em uma sociedade que culpabiliza as vítimas da violência. Esse tipo de argumento [do vídeo] faz com que quem morreu seja culpada de ter morrido", desabafou a pedagoga Mirela Novaes, 35, também amiga da vítima.De acordo com Mirela, a viralização do vídeo foi pensada para causar comoção à população. "Acreditamos que ele tem alguma coisa a ver com isso. Se o caso for para juri popular, por exemplo, as pessoas tendem a considerar esse vídeo, porque nós vivemos em uma sociedade machista", disse. Helem foi morta a facadas pelo próprio marido(Foto: Reprodução)Audiência públicaO feminicídio da pedagoga foi tema de uma audiência pública realizada pela Ouvidoria Cidadã da Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE), na manhã desta quarta-feira (21), na sede do órgão. Para a ouvidora-geral da DPE, Vilma Reis, a morte de Helem traz à tona uma realidade preocupante. "A situação que a gente está vivendo é de enterrar mulheres todos os dias", pontuou Vilma.Conforme a ouvidora, o fato de Helem, que era militante da causa feminista, ter sido assassinada pelo próprio companheiro reflete uma realidade que foge ao controle até de quem tem conhecimento sobre a causa. "As mulheres estão sendo mortas cada vez mais cedo pelos namorados. Tem que parar essa máquina de matar mulher. As mulheres, inclusive, precisam se ajudar. Porque uma mulher não anda só, uma mulher anda com outra mulher", acrescentou. E completou. "Temos necessidade de criar centros de referências que apoiem essas mulheres, que não têm, muitas vezes, a quem recorrer".Na audiência, que contou com a participação de representantes de organizações e conselhos de direitos das mulheres, o fato foi tratado com indignação pelos amigos da vítima. "Como dão voz a quem mata? Este vídeo foi propositalmente viralizado em toda ilha. Não sabemos por quem mas, certamente, quem fez isso, sabe que vivemos em uma sociedade machista que culpabiliza a mulher que morre por ter morrido", desabafou Mirela Novaes.Aquilombar por HelemA morte trágica da pedagoga fez nascer nas amigas de Helem o desejo de criar o coletivo 'Aquilombar por Helem' - que tem como objetivo disseminar informação às meninas e mulheres que sofrem de violência doméstica. "A ideia é educar. Educar essas vítimas e fazer com que elas entendam que a vítima nunca é culpada. A sociedade é machista e isso está enraizado. É isso que nos mata todos os dias. Vivemos em um mundo onde uma mulher é culpada de ser estuprada por ter usado shortinho", desabafa. Procurado pelo CORREIO, o delegado Geovane Paranhos não foi localizado para comentar a prisão de Ângelo, que seria revertida de temporária para preventiva nesta terça-feira (20).