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Tailane Muniz
Publicado em 12 de abril de 2018 às 12:25
- Atualizado há 2 anos
Depois de algumas tentativas, há quatro meses a técnica de enfermagem Claudeane Mota do Nascimento, 22 anos, conseguiu se separar e sair de casa. Ela vivia um relacionamento de cinco anos com o pedreiro Luide Silva de Jesus Lima, 23, com quem teve uma filha - atualmente com 3 anos. Nesta terça-feira (10), no entanto, ao reencontrar Luide, a jovem não resistiu à fúria do pai da menina.
Claudeane foi golpeada com uma faca pelo menos 53 vezes, na frente da criança, e morreu no local - uma casa alugada pelo casal no bairro de Boa Vista de São Caetano, em Salvador.
O corpo da técnica de enfermagem só foi encontrado na manhã desta quarta-feira (11), quando os vizinhos escutaram a criança chorando. Ao chegarem no local, os moradores da Travessa Saboaria se surpreenderam com a cena de horror. Casal teve relacionamento por cinco anos (Foto: Reprodução/Tailane Muniz/CORREIO) As chaves da casa estavam na fechadura. A criança, que pode ter dormido entre a noite e a madrugada, ao lado do corpo da mãe, em estado de choque. Luide trancou a filhinha com o cadáver da ex-mulher e fugiu.
Em nota, a Polícia Militar informou que policiais da 9ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/São Caetano) foi chamada para checar a denúncia de que havia uma mulher vítima de arma branca.
Ainda segundo a polícia, o fato foi constatado por volta de 11h. Em seguida, o local foi isolado e a perícia acionada. Conforme informações da Polícia Civil, a delegada Jussara Bispo, titular da 3ª Delegacia de Homicídios do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), solicitará a prisão temporária de Luide.
Tia da jovem, a técnica de enfermagem Radinei Santos, 38, contou que foi uma das responsáveis por criar a sobrinha."Uma menina muito do bem, de boa índole, e que tinha um futuro pela frente. A dor é muito grande, mas o desejo de justiça é enorme. Nós queremos que ele pague pelo que fez a ela. Ele é um animal. Melhor, um bicho, porque animal tem sentimentos e protege a cria. Ele deixou a filha dele com um trauma eterno", disse Radinei ao CORREIO, quando esteve no Instituto Médico Legal para liberar o corpo da sobrinha. Além da tia, o pai da jovem e o padrasto também estiveram no IML. Abalado, o pai não quis conversar com a reportagem.
Radinei comentou que Claudeane conheceu Luide há cinco anos, quando estudava o 3° ano do ensino médio no Colégio Militar. "Ele é primo da esposa do meu irmão, tio dela, e começaram a namorar. Nós nunca apoiamos, porque não gostávamos do jeito dele. Eles não tinham nada a ver, mas ela se apaixonou e não escutou ninguém", relatou a técnica.
Em poucos meses de relacionamento, a jovem saiu da casa da avó, onde morava, em Boa Vista de São Caetano, para viver com o namorado na região de Saramandaia, no bairro de Pernambués.
Embora tenha sido contra, a família não conseguiu evitar a decisão. Após dois anos de namoro, a vítima engravidou. "Foi quando decidimos apoiar ela, porque, querendo ou não, nós a amávamos muito. Minha mãe era louca por ela; foi a primeira neta, então, resolvemos dar uma das casas para que eles pudessem morar próximo", lembra a tia.
Agressões Foi então que Claudeane retornou para o convívio da família, já com oito meses de gravidez. A tia contou que a jovem dizia que estava bem com o marido. Anos depois, quando a criança já tinha dois anos, a avó da jovem, uma senhora de 67 anos, presenciou a primeira agressão de Luide contra a neta.
Inconformada, a idosa partiu para cima do agressor e o expulsou de casa. Na época, Radinei chegou a levar a sobrinha para a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), onde a jovem prestou queixa. Foto: Reprodução/Tailane Muniz/CORREIO "Eu vi que ela foi porque eu meio que obriguei. Por ela, ela não teria ido [prestar queixa]. A todo momento ela tentava dar para trás, mas como eu queria registrar, ela não teve escolha", comentou Radinei.
"Nesta época, minha mãe deu todo apoio. Nós acertamos com ela que pagaríamos o curso técnico, que a gente ia ajudar a criar a menina e tudo ficou acertado assim. Mais ou menos 20 dias depois, ele foi na casa pegar as coisas dele. Foi quando ela chegou e disse: 'ele está arrependido, e eu vou morar com ele de novo. Podem ficar tranquilas, está tudo certo', e foi", completou a tia, com lágrimas nos olhos.
Claudeane não contou a ninguém, mas a família descobriu que Luide chegou a dar chutes na jovem durante a gravidez. As agressões, no entanto, não impediram que a jovem quisesse insistir no relacionamento. Um desentendimento no Natal, no entanto, fez com que a vítima decidisse se separar de vez do pai da filha. Conforme o padrasto da jovem, o pedreiro Oto Santos, 31, ela decidiu ir com a filha para o convívio da mãe, em São Marcos.
"Ela estava bem demais, tudo tranquilo. Já estava bem melhor, trabalhando, feliz. Porque não foram poucas as vezes que tentamos alertar ela de que aquela vida não era pra ela. No início era ótimo, mas tudo no começo são flores e ele logo foi mostrando quem realmente era. Uma moça jovem, inteligente, bonita, cheia de vida e muito amada. Muito amada por mim, pela mãe, avós, tios, tias, irmãos... Por todo mundo", comentou ele, acrescentando que Claudeane era a filha mais velha de sua esposa, com quem tem um relacionamento há 13 anos.
O feminicídio O pedreiro contou que a relação com a enteada era das melhores, e que na terça-feira (10), dia em que saiu de casa, a jovem estava tranquila e feliz.
Era por volta de 16h, quando ela avisou à mãe e ao padrasto que iria encontrar com Luide. "Ela tinha dado um plantão de segunda-feira para terça, descansou e disse que ia lá com a menina. Falamos para ela não ir, mas ela disse que já estava acertada com ele e que apenas buscaria o dinheiro da escola da filha", contou, acrescentando que Claudeane estava trabalhando como técnica há três dias no Hospital Municipal de Salvador, na Boca da Mata.
Sem disfarçar a tristeza, Oto lembrou que esta foi a última vez que viu Claudeane com vida. Ele e a esposa chegaram a dar a benção à técnica e pediram que não demorasse. A jovem saiu com a menina e não retornou. A família só soube do desfecho trágico da visita na manhã desta quarta (11), quando o chefe de Luide ligou avisando."A mãe dela está extremamente debilitada. A bebê, coitada, faz os gestos que o pai fez, simula que está segurando uma faca e repete 'papai matou mamãe'", lamenta.Tia de Claudeane, Radinei disse que acredita que o assassino não soube lidar com a separação. "Ele devia estar desequilibrado de saber que ela estava bem, trabalhando, que possivelmente ela encontraria outra pessoa e aí cometeu essa covardia. É um monstro, um ser desprezível, a quem eu desejo apenas que pague pelo que fez", acrescentou.
Segundo a tia, as brigas do casal não eram presenciadas pela família mas a vítima já chegou a relatar que o marido a queria como empregada. "Ela tinha que lavar todos os calçados dele, os bonés, as roupas. Ele queria chegar e encontrar tudo sempre pronto. E o tipo de mulher que ela era, não foi criada para isso. Nós sempre fizemos de tudo para ela estudar e ser independente". Radinei acredita que Claudeane morreu por ser mulher."Eu, honestamente, espero que isso sirva de lição para outras mulheres, jovens ou não. Que elas vejam que o feminicídio está cada vez mais presente. Que esse tipo de crime tem nos tirado o direito de viver. Os homens acham que são nossos donos e nos matam quando são contrariados. Que as meninas saibam que a primeira agressão já diz muita coisa e não deve ser ignorada. Começa com um tapa e termina assim, com a morte", lamentou a tia da vítima.Claudeane vai ser enterrada na tarde desta quinta-feira (12), no Cemitério Quinta dos Lázaros, na Baixa de Quintas. A família da jovem chegou a divulgar fotos de Luide em cartazes, mas ainda não tem notícias sobre o paradeiro do assassino. Familiares da vítma e do suspeito foram ouvidos no DHPP.
Mais de 7 mil inquéritos foram enviados à Justiça em 2017 Conforme a Secretaria da Segurança Pública (SSP), mais 7,5 mil inquéritos foram enviados à Justiça em 2017 pelas Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (Deams). Comparado com 2016 – 6,2 mil inquéritos encaminhados – houve um aumento de 20%. A SSP, no entanto, não tem um balanço atualizado dos primeiros quatro meses de 2018.
Só nos primeiros dias de março, três homens foram presos em Salvador e no interior, por agredirem e matarem as companheiras. Na segunda-feira (5), Anaílton Marques Silva, 33 anos, vai responder por feminicídio, após ser capturado horas depois de assassinar Sandra Silva dos Santos, 43, em Itabuna.
Dos 7,5 mil casos de violência registrados no ano passado, mais de 1,9 mil se transformaram em inquéritos na Deam de Brotas e foram encaminhados à Justiça. Em segundo lugar ficou a especializada de Vitória da Conquista, com 1,1 mil procedimentos remetidos.
Pelo menos 14 unidades de atendimento especial às mulheres funcionam em Salvador, além de 12 espalhadas pelo interior: Feira de Santana, Ilhéus, Itabuna, Juazeiro, Porto Seguro, Teixeira de Freitas, Vitória da Conquista, Camaçari, Candeias, Paulo Afonso, Barreiras e Jequié.