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‘Só o uso sustentável pode preservar o patrimônio’, diz ministro da Cultura

Em entrevista ao CORREIO, Sérgio Sá Leitão fala sobre obras de restauração na capital baiana

  • Foto do(a) author(a) Jairo Costa Jr.
  • Jairo Costa Jr.

Publicado em 5 de fevereiro de 2018 às 06:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Ronaldo Caldas/MinC

Passava das 18h30 da última sexta-feira quando, enfim, o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, iniciou a entrevista por telefone ao CORREIO, com atraso de duas horas e meia. De forma educada, pede desculpas pela demora. O argumento é razoável. Às vésperas do Carnaval, o chefe do MinC foi convidado para visitar a Cidade do Samba no Rio de Janeiro. Como forma de evitar a ciumeira, visitou todos os barracões das escolas que desfilarão pela Marquês de Sapucaí no próximo fim de semana. Em quase 60 minutos de conversa, Sá Leitão falou sobre o objetivo da visita que fará hoje a Salvador, quando participa da solenidade de inauguração da Casa do Carnaval, museu sobre a história da folia de rua instalado em um imóvel histórico na Praça da Sé restaurado com verbas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Além da reabertura da Igreja do Passo, no Santo Antônio, igualmente recuperado com investimento do Iphan.  

No mesmo dia, o ministro anuncia obras de restauração em mais cinco monumentos tombados do Recôncavo e os planos do MinC para alavancar a indústria do cinema em Salvador. Na entrevista, disse que apenas a ocupação sustentável pode garantir a preservação do patrimônio. Afirmou ainda estar despreocupado com os efeitos do contigenciamento de verbas e do ano eleitoral sobre seus planos para alavancar a cultura em 2018.              

Tem duas boas notícias para Salvador que o senhor anuncia nesta segunda. Uma delas é a Igreja do Passo, totalmente restaurada. A outra é a Casa do Carnaval. O que esse museu traz de inovador? Na verdade, são três novidades. Importante dizer que tanto a Casa do Carnaval quanto a Igreja do Passo, juntos, receberam investimento de R$ 21,3 milhões, através do Iphan. As duas obras integram o Avançar, um projeto bastante amplo do governo federal que integra vários ministério, cujo objetivo é terminar obras em andamento ou que são fundamentais em estados e municípios. Uma parte dele é tocado pelo Ministério da Cultura (Minc). Basicamente, são obras de restauração do patrimônio histórico e também construção de centros culturais e cinemas. Em relação à Casa do Carnaval, nossa participaçâo foi na restauração do imóvel. Nosso foco é o patrimônio histórico. Mas é muito bacana que o patrimônio seja restaurado e os imóveis tenham uma utilização cultural que permita ser sustentável já na largada. E me parece que a intenção da Casa do Carnaval é se tornar um espaço para valorizar uma manifestação popular que é, sem dúvida, marca registrada de Salvador e da Bahia. Isso nos deixa muito entusiasmados, porque, além do que nós investimentos em um imóvel que faz parte do patrimônio cultural e artístico da cidade, há também o conteúdo inserido nele e a preocupação em ser sustentável.

Essa preocupação se dá com a Igreja do Passo? Sim. É um imóvel que está no imaginário popular, muito por conta do filme O Pagador de Promessas, um dos mais vistos do cinema brasileiro, inclusive com carreira forte no exterior.

É o único que tem uma Palma de Ouro em Cannes...  Exatamente. É talvez o maior prêmio do nosso cinema. Todos os brasileiros que viram esse filme têm a Igreja do Passo como um dos marcos arquitetônicos de Salvador. O fato de estar no filme deu a ela uma dimensão muito maior. Ela estava há quase duas décadas fechada.

O que houve para que ficasse tanto tempo fechada? Olhando para frente, um dos eixos que trabalhamos é o de justamente resolver os problemas, enfrentar o passivo, destravar o que historicamente foi travado, fazer o ministério funcionar e, com isso, realizar uma série de entregas em todo o país. 

Salvador é uma cidade conhecida pela presença muito marcante do patrimônio histórico, mas que também enfrenta uma serie de dificuldades para a preservação dele. Por que isso ocorre? O Brasil, de uma maneira geral, tem um patrimônio histórico e artístico fabuloso e imenso, repleto de sentido, significado e relevância. É difícl dar conta disso tudo. Só no Iphan temos 600 mil imóveis registrados como parte do patrimônio. Temos que priorizar e, aos poucos, vamos dando conta das coisas à medida em que há disponibilidade de recursos. Só na Bahia temos 40 obras, quatro já conluídas e entregues e outras em andamento. Há mais cinco que vamos assinar ordem de serviço já nessa segunda. Na soma, o investimento é de R$ 202 milhões. Imagine no país inteiro! A dificuldade está em ter recursos para dar conta da restauração do patrimônio. Mas respondendo diretamente sua pergunta, o grande desafio é o uso sustentável. Só ele garante a integridade, a preservação e a permanência do patrimônio. O que degrada é a ausência de uso.  

E no caso da Igreja do Passo? Nós buscamos o compromisso da Igreja de, agora, ela fazer a manutenção e a preservação, que se darão com o uso contínuo do espaço, assim como ocorre com a Casa do Carnaval, onde já há um projeto de ocupação cultural. Temos trabalhado muito nisso. Esse é um dos critérios na hora de selecionar onde vamos investir recurso na preservação do patrimônio. Só isso fará com que, daqui a dez anos, não seja necessário investir outro valor tão elevado. Não podemos estar permanentemente restaurando imóveis.  "As duas obras integram o Avançar, um projeto bastante amplo do governo federal que integra vários ministérios. O objetivo dele é terminar obras em andamento ou que são fundamentais em estados e municípios".O senhor falou de uma terceira boa notícia... Vamos assinar também nesta segunda a ordem de serviço de cinco obras de preservação e restauração tão importantes e significativas quanto as duas de que falamos antes. Em Itaparica, me refiro à Igreja Matriz do Santíssimo Sacramento e à Igreja de São Lourenço. Em Santo Amaro, à antiga Casa de Câmara e Cadeia. Em Maragogipe, há a Igreja Matriz de São Bartolomeu. Em São Félix, temos o Paço Municipal. Este não estava inicialmente previsto no projeto Avançar, mas incluímos por conta da emergência, já que está em grande perigo de desabamento e perda.   

O senhor militou na área do cinema muitos anos. Tem previsão de projeto para Salvador nesse sentido? Estamos desenvolvendo em parceria com a prefeitura, que está criando um escritório voltado ao audiovisual, um programa de editais com recursos da prefeitura e do Fundo Setorial do Audiovisual. São R$ 4 milhões do fundo e R$ 2 milhões da prefeitura. Isso será anunciado oficialmente um pouco mais adiante, assim que o programa tiver o desenho finalizado e aprovado. Serão recursos destinados à produção, formação e capacitação.   Apesar de ser um estado que tem como símbolo Glauber Rocha, a Bahia nunca conseguiu consolidar uma indústria do cinema. Esse projeto pode ser o estopim? Estamos muito felizes com a visão que o prefeito ACM Neto demonstrou em relação à economia criativa. Ela é fundamental para uma cidade que tem a criatividade como vocação. O programa Salvador Criativa traz uma série de intervenções nessa direção. Estamos estudando como apoiar mais. Há uma afinidade de visão muito grande com o que nós estamos pensando no ministério. Há uma vocação em Salvador para o audiovisual, considerando tudo que aconteceu antes, além do número de empresas e profissionais nessa área. Nosso desejo é de estimular Salvador para que ela se torne um dos polos do audiovisual no Brasil.  

Mas há concentração excessiva de recursos do fundo para o Sul e Sudeste.  Outra medida vale a pena mencionar. Vamos agora anunciar em duas partes - uma em fevereiro e outra em março - um novo fundo setorial do audiovisual. Fizemos um grande diagnóstico sobre o funcionamento do fundo nos últimos dez anos e identificamos uma série de problemas e desafios. Estamos empreendendo mudanças no sentido de que ele contribua de modo mais efetivo para o desenvolvimento da indústria do audiovisual no país como um todo. Uma das coisas que identificamos foi que não vinha sendo cumprida a determinação legal de destinação de 30% dos recursos para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Tomaremos medidas para determinar o cumprimento absolutamente rigoroso dessa lei. Dos R$ 700 milhões que entram por ano no fundo, pelo menos R$ 210 milhões devem ser investidos em projetos de empresas do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Tenho certeza de que, ao garantir a aplicação anual desse investimento, contribuiremos para desenvolver a indústria do audiovisual na Bahia e em outros estados.

O recente contingenciamento decretado pelo presidente Michel Temer não compromete todos os planos do MinC?  Nas últimas semanas, empreendemos uma série de conversas internas no governo. Acho que houve compreensão sobre a questão orçamentária do MinC. Proporcionalmente, o contingenciamento do ministério foi bastante baixo em comparação com outras pastas. Houve entendimento de que estávamos realmente no limite. Acho que esse contingenciamento vai se reverter ao longo do ano. A arrecadação tende a aumentar agora que a recessão ficou para trás e o Brasil voltou ao trilho do desenvolvimento econômico. Estou bastante otimista com 2018.

O ano eleitoral não vai atrapalhar? Há restrições em relação à atuação do governo no período das eleições, mas elas são ligadas a inaugurações e eventos, basicamente. O que importa é fazer as coisas acontecerem. Isso não passa por inaugurar e realizar eventos. E essas restrições têm uma duração de apenas quatro meses. Temos outros oito meses no ano. Eleição não vai ser empecilho.