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Verena Paranhos
Publicado em 9 de setembro de 2017 às 08:34
- Atualizado há 2 anos
Um dia, a criança sente-se cuidada e protegida pela família, cercada de princesas e heróis. No outro, vê instalar-se dentro de casa a guerra do divórcio e passa a escutar histórias que transformam em monstros pai, mãe ou avós. “Ele não presta, não te ama mais” e “Agora que seu irmãozinho nasceu, ela não vai ter mais tempo pra você” são algumas armas usadas por parentes próximos para atingir a outra parte e afastar o menor do convívio com ela.>
Muito presente nas diversas configurações de família da nossa cultura, o conjunto dessas práticas como um problema de justiça ainda é pouco conhecido e até nomeado. No dia 26 de agosto, completou sete anos que o Brasil assumiu o pioneirismo na América Latina ao aprovar a Lei da Alienação Parental. Depois de lutar três anos, Jaime tem a guarda compartilhada de Nicholas desde abril de 2016 (Foto: Brisa Dultra/CORREIO) A Lei nº 12318/2010 visa a criar mecanismos para inibir os atos alienantes e proteger crianças e adolescentes de condutas negativas e manipuladoras que surgem no meio dos litígios. Detectada por um dos genitores, a alienação parental deve ser incluída no processo de guarda e tratada em segredo de justiça, como prioridade para que o menor seja prejudicado o mínimo possível.>
Pai herói Nicholas nasceu semanas antes da promulgação da Lei da Alienação Parental, mas, mesmo assim, foi difícil para o professor Jaime Córdova conseguir exercer seu direito à paternidade. Quando o menino tinha um ano e meio, o casamento dos pais chegou ao fim. Todas as manhãs, bem cedinho, Jaime buscava o filho, que é portador de Síndrome de Down, para passear. “De repente, a mãe decidiu que eu não ia levá-lo mais. Disse que seria do jeito dela e que talvez eu pudesse vê-lo uma ou duas vezes por semana”, relata ele o princípio da batalha que se arrastou por três anos.>
Jaime entrou com uma ação de guarda compartilhada, mas não conseguia que fosse cumprido nem seu direito de visitas em fins de semanas alternados. Com o desenrolar da situação, a alienação parental foi se configurando em todas as suas facetas e incorporada ao processo. >
A questão evoluiu de uma mudança de domicílio e de escola sem informar ao pai para privação de acompanhar os tratamentos de saúde do garoto. “Vizinhos me ligaram falando que eles estavam se mudando. Segui o caminhão de mudança para descobrir o bairro onde iriam morar, porque meu advogado disse que demoraria para que a mãe fosse citada no processo. Todos os meses percorria os hospitais em busca de alguma entrada dele”, conta Jaime, que fez quase o impossível para conseguir acompanhar o desenvolvimento da criança.>
As práticas alienantes desaguaram em ações de difamação e acusações falsas, como maus tratos ao menino e agressão à familiares e porteiros, que deram à mãe uma medida protetiva para que Jaime não se aproximasse. “Mesmo assim, ia todas as manhãs à escola. Esperava ela sair, dava um beijo nele e dizia ‘Papai te ama’”.>
Desde abril de 2016, Jaime tem a guarda compartilhada de Nicholas, depois de um processo que andou relativamente rápido, diante da realidade da justiça brasileira. “Durante um ano, eu fui ao fórum todos os dias, de segunda a quinta, na hora do almoço, para saber se a coisa andava. Todos os dias, porque é um direito do meu filho ter um pai. O tempo de uma criança é outro e esse tempo de convivência que é tirado dela não volta”, conta Jaime, que encontrou esclarecimento e apoio na Associação Brasileira Criança Feliz (ABCF). A entidade sem fins lucrativos está presente em 14 estados e há 9 anos trabalha para difundir o tema. >
“É uma luta cansativa e desesperadora. Pai não precisa ser herói, tem que lutar com o que pode, mas é muito difícil. Tem quem renuncie à luta e isso é legítimo”, destaca o psicanalista Cláudio Carvalho, diretor-representante da ABCF na Bahia. Leia depoimentos de pais e avó que sofrem com práticas alienantes.>
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Na vida real Longe dos contos de fada, nem tudo que está no papel vira realidade. “Temos uma das legislações mais perfeitas do mundo sobre guarda compartilhada e alienação parental, mas ainda falta colocá-las em prática. Ainda é um fenômeno difícil de ser palpado nos processos judiciais”, constata o juiz Alberto Raimundo Gomes dos Santos, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), na Bahia.>
“A partir do momento em que se fala mais sobre o assunto, as pessoas tomam consciência e dizem ‘Opa! Isso está acontecendo comigo’. A lei trouxe avanços, prevê a punição para esse tipo de conduta, mas a questão é como se prova, porque precisa ouvir a criançaem ambientes seguros”, concorda a mestre em direito de família, Paloma Braga Araújo de Souza. >
Embora seja o complexo cenário que a alienação parental cria por envolver menores, Cláudio Carvalho argumenta que a questão pode ser tratada de forma simples. “A lei é clara, didática, explicativa, traz as sanções que um juiz pode aplicar, da advertência à reversão da guarda. Não podemos culpabilizar o judiciário como um todo, mas uma parcela dos servidores não segue o que está posto”. >
Depois de sete anos, o judiciário baiano não está preparado para lidar de forma eficiente com a questão. “Precisamos de uma equipe multidisciplinar, formada por psicólogos e assistentes sociais, para dar suporte. Os tribunais têm que ter estrutura para materializar a ideia da alienação e tratar a questão com celeridade. O número de crianças no meio desse tiroteio é muito grande. Sabemos dos casos notificados através de processo, mas existem muitos outros que não são visíveis”, pontua o juiz Alberto Raimundo. Segundo o Tribunal Justiça da Bahia, em 2016, o estado registrou 13.827 processos de divórcio, dos quais 2.985 foram litigiosos. Do total, apenas 434 teve com guarda compartilhada.>
Apesar do cenário brasileiro ser distante do ideal, quem enfrenta a alienação parental em outro contexto jurídico percebe ainda mais a vanguarda nacional. Há 4 anos, a economista Lívia Sampaio briga na justiça argentina para ter o direito de ver a neta de seis anos. “A nossa lei é 100% positiva, apesar de ter seus problemas de aplicabilidade. No meu processo, um dos argumentos da outra parte é que não poderia falar de alienação parental porque não existe na legislação deles, mesmo tendo todas as características”, conta a avó.>
Grande elenco Assim como um único personagem não sustenta uma trama complexa, a alienação parental não se faz com uma pessoa só. Envolve a rede protetiva em torno da criança e do adolescente, que começa com avós, parentes e amigos, que não veem maldade no que um genitor diz e faz para interferir na imagem que o menor tem do pai ou da mãe>
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“A família é o primeiro espaço de relacionamento que a gente tem. É onde construímos a afetividade, as relações com adultos e outras crianças, a noção de estar no mundo, os sentimento de ser desejado e a autoestima. Tudo isso é atravessado quando os filhos são colocados no meio das disputas dos adultos”, explica a psicóloga Laura Augusta, que atua na TamoJuntas, coletivo que presta assistência jurídica e psicológica a mulheres vítimas de violência.>
A rede protetiva também inclui atores dos sistemas de educação e saúde que assistem a criança ou o adolescente e notam diferenças no comportamento deles, que podem aparecer como queda no desempenho escolar, dificuldade de interação social, sinais de tristeza e até depressão. A conscientização de professores, médicos e psicólogos sobre a questão da alienação parental é essencial para a interrupção do ciclo da alienação parental e proteção do menor. >
É frequente, inclusive, que os profissionais tratem esses comportamentos como uma doença - a Síndrome da Alienação Parental - e recorram à saída mais fácil, a medicalização. “Quando uma criança não consegue se concentrar e tem dificuldades na escola o caminho mais comum é usar medicamentos e tirar dela o direito de ser tratada de outra forma, trabalhando a ansiedade, a relação com os pais”, alerta Laura.>