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Jairo Costa Jr.
Publicado em 2 de março de 2018 às 23:26
- Atualizado há 2 anos
Documentos obtidos pelo CORREIO confirmam a denúncia, feita pelo prefeito ACM Neto (DEM), de ilegalidade na investigação aberta no âmbito da Secretaria da Segurança Pública (SSP) em torno das obras de requalificação da orla da Barra, iniciadas em 2013, começo da primeira gestão do democrata. O material, encaminhado nesta sexta-feira (2) pela assessoria de comunicação da prefeitura de Salvador, mostra que as apurações conduzidas pela Polícia Civil contrariam determinação da Justiça Federal e são tocadas sem amparo na lei.
Em novembro do ano passado, uma das coordenadoras do Departamento de Repressão e Combate ao Crime Organizado da Polícia Civil (Draco), a delegada Ana Carolina Rezende Midlej Oliveira, encaminhou ofícios para solicitar o compartilhamento de informações sobre a reforma da Barra a quatro autoridades. Como justificativa para os pedidos, a delegada informou que precisava de elementos para conduzir processo investigatório aberto pela Draco naquele mês.
Os ofícios foram enviados ao promotor de Justiça Pedro Maia Souza Marques, coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal do Ministério Público estadual (Caocrim); ao presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Raimundo Carreiro; ao superintendente da Polícia Federal na Bahia, Daniel Justo Madruga; e ao secretário municipal de Infraestrutura e Obras Públicas, Almir Melo Júnior. Os documentos foram protocolados nos respectivos órgãos entre 22 de novembro de 2017 e 18 de janeiro. Decisão de outubro de 2017 coloca caso sob alçada da Justiça Federal(Foto: Reprodução) Depoimento de delator confirma a inexistência de propina para agentes públicos (Foto: Reprodução) Ofício encaminhado à PF por delegada comprova invasão de competência(Foto: Reprodução) O primeiro deles foi remetido ao superintendente da PF. “Informo que foi instaurado nesta Coordenação de Crimes Contra a Ordem Econômica e Contra a Administração Pública (CCOEAP) o Inquérito Policial de nº 011/2017, após recebimento de denúncia protocolada na Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia e encaminhada através de despacho (...) do Exmo Senhor subsecretário da SSP/BA (Ary Pereira da Oliveira, braço direito do secretário Maurício Barbosa) para apurar possíveis irregularidades em licitação”, diz o trecho de um dos ofícios assinados pela delegada da Draco.
Desobediência A investigação, contudo, contraria decisão judicial datada de 10 de outubro de 2017. Nela, o juiz federal Antonio Oswaldo Scarpa atende a pedido feito pela defesa do prefeito ACM Neto (DEM) e determina que cabe à 17ª Vara Especializada Criminal da Justiça Federal em Salvador a competência para “processar e julgar” o caso. No mesmo despacho, Scarpa ordena ainda o envio da ação para que a PF instaure inquérito para apurar os “fatos aqui noticiados”.
O juiz se refere ao conteúdo da delação premiada feita pelo ex-executivo da Odebrecht André Vital no âmbito da Operação Lava Jato. Em seu depoimento, Vital narra supostas irregularidades na licitação vencida pela empresa, mas negou participação de Neto no caso ou de qualquer outro integrante da equipe do prefeito. O delator afirmou ainda que nenhum agente público sabia ou obteve algum favorecimento na suposta combinação com duas empreiteiras investigadas pela Lava Jato - Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez - para que a empresa vencesse a licitação, concluída em 2014 por R$ 62,1 milhões.
Outro documento confirma que, mesmo diante da decisão judicial, a SSP manteve a investigação em curso ilegalmente. Trata-se da cópia do termo de depoimento de Vital, ouvido em 26 de janeiro pela delegada da Draco. No interrogatório, o ex-executivo da Odebrecht garante que a obra não resultou em pagamentos ilícitos como contrapartida para que vencesse a concorrência e que o posterior acréscimo de valor, estimado em R$ 4,4 milhões, se deveu à inclusão de serviços não previstos no edital, como a troca da rede de esgoto.
“Qualquer apuração sobre a Barra é de competência federal. A Polícia Civil não tem amparo para tomar qualquer medida nessa investigação. Quando mandaram ofício para a Secretaria Municipal de Infraestrutura, encaminhamos respostas, mas deixamos claro que havia uma investigação na Justiça Federal e que era completamente descabida qualquer apuração do estado”, criticou Neto. A SSP nega irregularidade.
‘Trata-se de polícia política’, critica ACM Neto O prefeito ACM Neto (DEM) acusou o governador Rui Costa (PT) de criar uma “polícia política” para perseguir rivais. A declaração foi feita em entrevista por telefone ao CORREIO e repetida na inauguração de uma creche na Santa Cruz ontem, quando apontou ilegalidade nas investigações da SSP sobre as obras na orla da Barra. "É o uso da máquina do estado com a finalidade política e partidária para perseguir seus adversários", ACM Neto, ao criticar a investigação da SSP (Foto: Valter Pontes/Divulgação) “Estamos diante de uma polícia política dirigida para perseguir adversários do governador do estado. O governador tem conhecimento desse fato, não tenho dúvida. É o uso da máquina do estado, do aparelho governamental, com a finalidade política e partidária para perseguir seus adversários”, disparou o prefeito.
“Foi uma denúncia feita por dois deputados federais do PT (Afonso Florence e Robinson Almeida, hoje suplente) e não há determinação judicial que dê amparo legal a essa investigação. Foi ato arbitrário da delegada Ana Carolina Midlej Oliveira, sob o comando do secretário da Segurança Pública, Maurício Barbosa”, acusou.
Para o prefeito, a tomada de depoimento de um investigado que firmou delação premiada com o Ministério Público Federal na Lava Jato corrobora a ilegalidade da investigação. “Só posso agradecer a arbitrariedade cometida pela SSP, que deu a oportunidade de demonstrar claramente a isenção e falta de envolvimento por parte da prefeitura nesse caso”, disse Neto, sobre o teor do interrogatório em que o ex-executivo da Odebrecht André Vital nega pagamento de propina e corrupção para agentes públicos.
MPF contradiz versão apresentada pela SSP Após ser acusada de abrir ilegalmente uma investigação sobre a Barra, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP) disse, em nota, que o Ministério Público Federal (MPF) havia declinado do caso e repassado a competência para o MP estadual. A SSP apresentou ainda um documento que, segundo afirma, comprova a informação, mas a versão foi rebatida pelo MPF.
“O Departamento de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco) seguirá com as investigações que apuram indícios de prática criminosa na licitação das obras de revitalização da Barra e de outras construções na cidade”, diz a nota enviada pela assessoria de imprensa da SSP.
“Por se utilizar de verba incorporada ao patrimônio do município, a atribuição da investigação permanece com a Polícia Civil, conforme documentos encaminhados pelo Ministério Público Federal, apontando ser do âmbito estadual a competência de investigação dos casos”, emendou a SSP.
O MPF, no entanto, contradisse a versão apresentada pela secretaria. Em resposta publicada ontem à noite pelo site Bahia Notícias, o órgão afirmou que há, na realidade, duas apurações sobre o caso e o que está sob comando da Polícia Civil seria de competência federal.
Ao site, o MPF respondeu que corre na Procuradoria da República na Bahia uma apuração diferente da que foi repassada para o MP estadual. Segundo o órgão, o caso declinado para a esfera do estado, ao qual se referiu a SSP, investiga um suposto superfaturamento de obras de requalificação da Barra nos trechos do Porto da Barra ao Barra Center e do Barra Center ao Centro Espanhol.