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Laura Fernades
Publicado em 17 de janeiro de 2018 às 06:10
- Atualizado há 2 anos
Questionada por uma repórter de televisão sobre qual seria a música do Carnaval, uma desavisada responde: “Com certeza, Popa da Bunda, de Léo Santana”. Rindo ao lembrar da história, o DJ e produtor musical do coletivo Àttøøxxá, Rafa Dias, 29 anos, conta que a confusão é muito comum. “Essa música tem dois anos e muita gente nem sabe que é nossa. Tem uma galera que acha que é de Léo Santana”, conta.
Já que uma parte nem desconfia, quem é, afinal, esse grupo que lançou a sedutora Elas Gostam (Popa da Bunda), candidata a música no Carnaval? Gravada por Márcio Victor (Psirico), a música caiu no gosto de artistas como Léo Santana, Wesley Safadão e Xanddy. Que coletivo é esse que vai se apresentar no projeto Sou Verão, sábado (20), e que vai participar do Carnaval com shows no Furdunço, na Casa Skol, na Praça Castro Alves e no Palco Cajazeiras?
“O Àttøøxxá é essa verdade, essa pureza que a gente tem, essa inocência de querer brincar e depois pegar um trabalho e levar a sério. Isso é a gente”, diz um dos cantores do grupo, Osmar ‘Oz’, 33 anos, resumindo o que pode ser visto minutos antes, no camarim de um show no Pelourinho. Bastou o som tocar lá fora para Rafa Dias, Raoni Knalha (voz) e Wallace Chibata (guitarra) começarem a dançar o pagodão em clima de brincadeira.
No minuto seguinte, o foco toma conta e todos estão concentrados para conversar com a reportagem. No papo, a história do Àttøøxxá, os ensaios disputados, a maratona de Carnaval, a escolha por não fazer letras que tenham a mulher como objeto e a compreensão do sucesso depois de um ano de shows: “O termômetro é eu estar no shopping e o BG [música de fundo] ser Popa da Bunda”, conta Rafa, sorridente.
Pegada nova Criado há três anos por Rafa, que é de Paulo Afonso, o Àttøøxxá está dando o que falar ao ressignificar o pagode a partir de sonoridades eletrônicas. Tem até quem diga que é o novo BaianaSystem. “Eles têm uma pegada nova, diferente, tipo BaianaSystem. Têm futuro!”, elogia Compadre Washington, 56, enquanto curte o show do Àttøøxxá. “Gratificante saber que a mocidade não está deixando o pagode morrer”, completa o cantor do É o Tchan que conheceu o som através de Márcio Victor.
O líder do Psirico, por sua vez, conheceu o Àttøøxxá por meio de Oz, que é do Engenho Velho de Brotas e já fez parte de grupos como Leva Nóiz, Oz Bambaz e Pagodart. “O que me interessou no som deles foi a liberdade musical”, conta Márcio Victor, 38, que terá o Àttøøxxá como convidado do Ensaio do Psi no dia 25. “Me mandaram um áudio deles e eu fiquei louco”, lembra o cantor, que conheceu Popa da Bunda há mais de dois anos.
Depois de gravar uma nova versão para o hit, o que inclui assumir toda a percussão e fazer poucas alterações na letra e na base rítmica, Márcio Victor garante que os laços com o grupo saíram fortalecidos. “Nos tornamos grandes amigos, de churrasco, de conversa, de ajuda... É o que a música da Bahia deve ser: mais aberta e ter mais coragem de assumir que na Bahia tem outros artistas chegando com qualidade”, elogia.
Atocha O nome do coletivo dá uma pista de onde vem a inspiração: além da aproximação sonora com o arrocha, tem relação com um costume de Paulo Afonso: “Lá, ‘atocha’ é ‘aumenta essa porra, aí...’”, diverte-se Rafa, enquanto simula que está aumentando o volume do som. “Tem essa coisa do grave, de querer pista, e ‘Àttøøxxá’ é o que a pista pede”, completa.
Outra coisa que todo mundo pergunta: e de onde vêm os acentos? “Essa onda gráfica, não sei porque, me bateu que era uma coisa que remetia aos indígenas... Sempre fiquei viajando que a gente tem uma questão negra pesada e a questão indígena a gente não tem, pai! Paulo Afonso é cercado por aldeias, minha vó era índia, então fiquei nessa, filosofando”, reflete.
As letras do grupo valorizam a negritude, temas marginalizados e fogem do estereótipo da mulher como objeto. Popa da Bunda, por exemplo, foi usada como resposta aos homens que estavam invadindo o espaço das mulheres no primeiro show do grupo. “Usamos a música para dar uma visão para os caras que estavam metendo a mão: ‘se plante, fique no seu pico e as mulheres vão usar o que quiserem na nossa festa’”, explica Rafa.
Nos ensaios do grupo, inclusive, as mulheres metem dança mesmo, atocham, botam pagodão e fazem até uma versão para o trecho “não tô nem aí, tô a fim de olhar”: elas gostam e cantam “não tô nem aí, tô a fim de mostrar”. De shortinho, bem coladinho, a estudante Elena Vasconcelos, 23 anos, garante que o tema é necessário.
“É uma questão importante que precisa ser trazida, principalmente, no pagode que está sendo mal interpretado por pessoas conservadoras”, defende Elena. “É positivo, porque o tempo vai mudando. É a evolução da sociedade que aceita, ou não, o machismo, o racismo...”, ressalta o também estudante Leonardo Luciano, 23.
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Mesmo com cuidado do Àttøøxxá em suas letras, o cantor Raoni, 27, pontua que o preconceito está longe de acabar. “Isso nunca vai acontecer, a gente sabe. Tanto quanto o preconceito contra o homossexual e o racismo. A mulher sempre foi colocada no segundo plano, a própria bíblia fazia isso para deixar o poder concentrado na mão de homens”, critica.
Mesmo assim, o grupo se preocupa em compartilhar seu posicionamento político com outros grupos de pagode. Da mesma forma, faz questão de acolher um público heterogêneo em seus ensaios, o que inclui o universo feminista, LGBT+ e negro. Esse, ressalta Rafa, é um dos motivos para o sucesso do grupo.
“Está dentro da onda que a gente está plantando de tratar as pessoas de forma igual, de tratar bem. Faz parte disso. A forma que a gente trata e vê o mundo é muito aberta, sabe? A gente abraça mesmo. E quem não gosta de um abraço, né, pai?”, sorri.
Acompanhe a agenda do Àttøøxxá
Sou Verão: Sábado (20), às 18h (DJ Raiz), 19h (Zabah Bush), 20h20 (Marcio Mello) e 21h50 (Àttøøxxá)Onde: Largo da Mariquita, Rio VermelhoEntrada gratuita: O projeto Sou Verão é realizado pelo Correio e conta com apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador e apoio de O Boticário
Para ‘atochar’ na folia:
Furdunço: O Àttøøxxá é uma das 56 atrações do pré-Carnaval que acontece nos dias 4 e 8 de fevereiro no circuito Barra-OndinaCasa Skol: No dia 4/2, o coletivo se apresenta no “camarote de graça” que será montado no circuito Barra-OndinaPôr do Sol na Praça Castro Alves: Em dois dias de programação gratuita, a praça recebe show do Àttøøxxá, dia 12/2Cajazeiras: O Àttøøxxá está confirmado no Palco Cajazeiras dia 10/2
Novo álbum do Àttøøxxá destaca o samba Depois de lançar o álbum Blvck Bvng, que inclui o hit Elas Gostam (Popa da Bunda), e um EP com as músicas Rebola a Raba e Tá Batenu, o Àttøøxxá já está planejando o próximo trabalho: Luv Box. Ao contrário do pagodão que lançou o grupo, o novo disco previsto para o pós-Carnaval vai valorizar o samba. Como o primeiro apresentou Osmar ‘Oz’ no vocal, o segundo terá à frente o cantor Raoni Knalha. “Como o projeto era meu, as regras eram minhas, quando os caras entraram a gente começou a produzir junto e surgiu a ideia de fazer um disco apresentando cada um dos integrantes. Aí, o final da trilogia é o ‘atoxxadão mor’”, explica Rafa Dias, 29, idealizador do Àttøøxxá, com bom humor.
Luv Box terá como guia as referências musicais de Raoni, “cara interiorano de Paulo Afonso, que fazia som no barzinho, voz e violão, e tocava bastante música de samba”, explica o próprio cantor de 27 anos. “Escrevi todas as letras baseadas nesse tema romântico que o samba traz”, revela Raoni.
O samba vai ganhar espaço no lugar do pagode, mas o disco vai manter uma característica comum aos trabalhos do Àttøøxxá: a inovação. “Você vai esperar o que ainda não viu, um som diferente. A gente está mais perto ainda daquilo que se chama de música pop, nesse novo disco. Se Blvck Bvng é pop, o próximo é ainda mais pop”, garante Raoni.