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Marcio L. F. Nascimento
Publicado em 23 de fevereiro de 2018 às 16:56
- Atualizado há 2 anos
Desde o princípio dos tempos o surgimento de cometas nos céus foi associado a temores e desordem. Durante milênios esta foi então uma crença: a de que os astros governam o mundo. Somente há poucos séculos os cometas passaram a ser vistos como mais um fenômeno celeste. Um dos grandes cientistas a desvendar o mistério dos cometas, afirmando que eles, assim como os planetas, efetuam trajetórias precisas ao redor do sol, foi o matemático, físico e astrônomo inglês Isaac Newton.
Ao coletar dados astronômicos para comprovar sua teoria da gravitação, Newton utilizou informações publicadas pelo matemático, astrônomo e padre jesuíta tcheco Valentin Stansel, que observou um cometa passando pelos céus da Bahia a partir do bairro do Pelourinho há 350 anos. Segundo Stansel, o céu estava límpido, e o cometa bastante visível na Bahia de Todos os Santos. Assim, pode determinar corretamente a região do céu onde o astro evoluiu, definindo precisamente sua trajetória.
As observações de Stansel eram tão precisas que foram publicadas nos principais jornais e revistas científicos ao redor do mundo. No primeiro jornal, italiano, Il Giornale dei Letterati 11 (1673), Stansel escreveu: “o que causou espanto foi que desde o princípio se fez ver no seu maior tamanho e com uma luz viva além do normal, ao contrário dos outros cometas que aparecem tênues e depois vão aumentando”. No ano seguinte o trabalho foi publicado no Philosophical Transactions (1674). Este foi o trabalho lido por Newton com uma esplêndida descrição de detalhes das observações feitas pelo padre na cidade de São Salvador. Seus dados foram ainda publicados na Alemanha e na França.
Matemático e astrônomo de reconhecido talento, Stansel teve grande parte de sua vasta obra concebida no Brasil. Foi professor do Collegio do Salvador da Bahia, também conhecido por Colégio dos Jesuítas, praticamente uma universidade, mas que nunca chegou, oficial e institucionalmente, a receber esse título, funcionando entre 1553 e 1759, localizada onde hoje se situa a Catedral Basílica do Salvador, a Faculdade de Medicina da Bahia e a Praça da Sé.
Passou a escrever Estancel durante suas viagens ao redor do mundo, e ao chegar na Bahia foi contemporâneo do Padre António Vieira, filósofo, escritor e grande orador português, que viveu boa parte de sua vida no Brasil, e em particular, Salvador.
A citação das observações de Stansel do cometa de 1668 por Newton é certamente algo historicamente notável. De fato, em sua obra, Philosophiæ Naturalis Principia Mathematica (ou “Princípios Matemáticos da Filosofia Natural”, 1687), “O Sistema do Mundo”, está escrito: “...em 5 de março de 1668 A.D., às 7h da tarde o Reverendo Padre Valentinus Estancius, estando no Brasil, viu um cometa perto do horizonte, direção sudoeste, com uma coma [ou cabeleira] muito pequena e dificilmente discernida, mas com uma cauda de esplêndida medida, de modo que a sua reflexão a partir do mar era facilmente vista por aqueles que estavam na costa; e parecia um raio de fogo prolongado de 23 graus de comprimento do oeste ao sul, quase paralelo ao horizonte”.
Graças às meticulosas observações de um espetacular cometa rasgando os céus da Bahia de Todos os Santos por um religioso devoto, matemático talentoso e astrônomo detalhista vivendo no Pelourinho, o genial Newton perpetuou no primeiro e mais famoso livro de física já escrito, Principia Mathematica, o nome Brasil.
Professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química e do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA