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Da Redação
Publicado em 27 de fevereiro de 2019 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Tem gente que o chama de atrasa-lado porque acha que tudo demora mais um pouco e que, no final da história, não adianta para nada. Já tem quem garanta que ele, na verdade, é um salva-vidas. É necessário. Indispensável, para ser mais exato.
Ele diz que apenas gosta de avaliar todas as possibilidades. Entende que seu trabalho é como um jogo de xadrez. Mexeu numa peça e todo o jogo muda. As consequências de um movimento podem ser inúmeras. Neutras e até positivas, mas também ruins. Então tem que ter precaução porque, em alguns casos, o dano, que parece pequeno, pode ser grande e não vale a pena arriscar. E se valer a pena arriscar, não dá para arriscar sem garantir algumas salvaguardas. Afinal, embaixo não tem colchão e a queda pode até matar.
E matou.
Já foram mais de 170. Dava para encher cinco ônibus e até um avião inteirinho. E isso foram só as consequências de dois movimentos. Em Mariana, três anos atrás, foram 19 vidas. Comunidades destruídas. Águas mortas. Vidas enlameadas. Agora, tudo de novo, só que multiplicado por dez.
E tudo isso feito por uma empresa orgulho nacional. Desde 2009, a mineração causou três vazamentos por ano, deixando 93,77 milhões de metros cúbicos de rejeitos e substâncias tóxicas no mundo. Aqui no Brasil, usamos técnicas de mineração ultrapassadas, mas que seguem sendo aprovadas nos licenciamentos.
O licenciamento ambiental nunca foi tão comentado. E a gente nunca sentiu tanta vergonha do Brasil. Vergonha por assistir tudo se repetir e causar destruição ainda maior. Dizimar vidas, famílias, casas, papagaio e periquitos. Destruir rios. Mas tem quem diga: a lei é das melhores do mundo, mas não funciona, então libera, flexibiliza, afrouxa, elimina. Desde o crime de Mariana, foram três anos e seis propostas de lei no Congresso para deixar o licenciamento mais “simples, agilizar o investimento, aquecer a economia, desburocratizar o poder público, gerar emprego”. Mas a reparação de Mariana continua lenta, quase parando, na verdade pouco saiu do lugar, ninguém até hoje foi indenizado.
O licenciamento é a melhor vacina para crimes como Brumadinho e Mariana. Não se pode brincar com as leis da Física e Matemática. Desenvolver estudos, avaliar cenários críticos, determinar ação de compensação e minimizar riscos são coisas que deveriam ser consideradas básicas. Brumadinho teve um processo de licenciamento eivado de furos. Mesmo assim “estava em dias com a documentação” porque teve sua categoria rebaixada a baixo risco, o que acelerou e “desburocratizou” o licenciamento ambiental.
A lama atingiu 80 km/h e tentou apagar até a poesia. O Pico do Cauê, falado nos poemas de Carlos Drummond de Andrade, não existe mais; o córrego do Feijão desapareceu. Exportamos o minério na sua forma mais simples. Abastecemos economias especializadas para depois importar produtos com alto valor agregado. E aqui ficam lama e o lixo.
André Fraga é engenheiro ambiental e secretário de Sustentabilidade, Inovação e Resiliência de Salvador
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