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Thais Borges
Publicado em 17 de abril de 2018 às 04:00
- Atualizado há 2 anos
Penas mais duras e até cadeia. A partir desta quarta-feira (18), passa a valer, em todo o Brasil, a Lei n° 13.546/2017, que altera o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e torna a Lei Seca ainda mais rígida. Agora, quem cometer homicídio ou provocar lesão grave ou gravíssima enquanto estiver dirigindo sob efeito de álcool ou de outra substância psicoativa pode ir preso e cumprir pena maior.
“As mudanças foram basicamente nos crimes de lesão à vida. Nos outros aspectos, a lei continua igual”, adianta o coordenador de fiscalização de veículos do Departamento Estadual de Trânsito da Bahia (Detran-BA), o capitão Márcio Santos.
No caso do homicídio, as penas do artigo 302 foram ampliadas - antes, era de dois a quatro anos, mas agora pode ir de cinco a oito anos de reclusão. Isso acontece porque a qualificadora de alcoolemia foi adicionada.
“Antes, não tinha a qualificadora. Era detenção de dois a quatro anos e, com essa pena máxima, era possível que o condutor pagasse fiança. Agora, o delegado não pode mais arbitrar fiança. Quando entrar em vigor, não vai acontecer mais aquela coisa de condutor que tira a vida de alguém e é levado preso ser liberado depois da fiança”, diz o capitão Márcio Santos.
Para o condutor alcoolizado que causar uma lesão grave ou gravíssima, a penalidade também cresceu. De acordo com a nova lei, ele pode ser condenado a reclusão de dois a cinco anos. Antes, a detenção poderia ser de seis meses a dois anos – na prática, ninguém ia preso. Diferente da situação de homicídio, o CTB ainda permite fiança em casos de lesão corporal.
Fixação da pena Ainda referente à Lei Seca, houve outra mudança no artigo 291: o juiz vai fixar a pena base “dando atenção especial à culpabilidade do agente e às circunstâncias e consequências do crime”. “Ou seja, o juiz passa agora a avaliar qual é o nível de culpa do condutor e as circunstâncias do crime que se deu, além de outros critérios, como antecedentes, etc”, explica o capitão Márcio Santos, do Detran.
Com as novidades, o superintendente da Transalvador, Fabrizzio Muller, diz que espera diminuir a sensação de impunidade que alguns motoristas ainda têm. “A partir do momento que há punição e que ela é cumprida, isso certamente desestimula as pessoas ao cometimento das infrações. Não tenho dúvida disso”, pontua.
Para ele, respeitar a Lei Seca, hoje, é como o uso do cinto de segurança no passado. No início, quando passou a ser obrigatório, muita gente resistiu. Hoje, o uso do cinto é quase automático. “Isso contribuiu imensamente para a redução do número de feridos e de mortes. De 2012 para 2017, reduzimos em 51% o número de mortes (em Salvador) e muito disso foi devido à Lei Seca”, diz Fabrizzio.
Não há, contudo, mudanças previstas para a fiscalização da lei nas ruas de Salvador. Continua valendo, segundo ele, o que foi implementado em 2013 – quando a Transalvador passou a fazer blitze diárias pela cidade. “Salvador é uma das poucas cidades que realiza blitz. Por ser uma atribuição estadual, você não vê muitos municípios fazendo. Salvador foi uma pioneira”, sinaliza.
As operações municipais são realizadas com apoio da Guarda Municipal e da Polícia Militar. O Detran também promove blitz da Lei Seca. (CORREIO Infográficos) O que continua Para quem não comete nenhum crime de lesão à vida no trânsito, as penas do CTB continuam iguais. Isso inclui desde aqueles condutores que, ao serem parados nas blitze de alcoolemia, se recusam a fazer o teste do bafômetro até os que aceitam. Mesmo sem fazer o teste, o condutor pode ir parar na delegacia (veja ao lado).
Nos dois casos, os motoristas terão que pagar a multa de R$ 2.934,70. A Carteira Nacional de Habilitação (CNH) será recolhida e outro condutor habilitado terá que retirar o carro do local.
Se o teor de álcool ficar entre 0,05 mg/l e 0,33 mg/l, o motorista vai responder administrativamente. Se for maior do que 0,34 mg/l, ele deve ser levado imediatamente a uma delegacia e vai responder também por crime de trânsito, cuja pena é de seis meses a três anos.
No ano passado, das 42.341 pessoas que foram abordadas nas blitze da Transalvador, 5.127 foram enquadradas na Lei Seca. Dessas, 40 cometeram crimes de trânsito. Este ano, até março, foram 14.134 abordagens, 1.373 motoristas pegos na Lei Seca e sete crimes de trânsito. Em julho do ano passado, um motorista sofreu acidente na Av. Tancredo Neves após fugir de uma blitz da Lei Seca (Foto: Divulgação) Recusa e CNH suspensa No ano passado, mais de 93% dos condutores abordados em blitz da Lei Seca pela Transalvador se recusaram a fazer o teste do bafômetro. “E, mesmo o condutor se recusando, ainda pode ser encaminhado à delegacia se apresentar características de capacidade motora afetada, como desequilíbrio, estar desorientado, hálito etílico... Ou seja, um conjunto de sinais que demonstrem que ele não tem capacidade de estar conduzindo um veículo”, alerta o capitão Márcio Santos, do Detran.
Em julho passado, por exemplo, um motorista sofreu um grave acidente na Avenida Tancredo Neves, ao tentar fugir de uma blitz.
Foi numa das abordagens que a fisioterapeuta Cristina*, 26 anos, foi autuada. A primeira vez foi em 2014, quando voltava de sua festa de despedida. Passou um ano sem poder dirigir – coincidiu com o tempo em que morou na Inglaterra. “Não tinha bebido muito. Só uns três copos, mas, naquela época, eu não deixava de dirigir porque estava bebendo. Só bebia pouco, até porque acho que não tinha tanta blitz quanto hoje”.
Depois, no ano seguinte, foi novamente abordada no trânsito e autuada. Como era reincidente, está sem CNH desde o ano passado. “Vou ter que voltar para a autoescola e fazer o processo todo de novo”, admite.
Alerta para condutores A mudança no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é vista com bons olhos por quem entende do assunto. Na avaliação do advogado especialista em trânsito Clezer Souza, consultor da Federação Nacional das Associações de Detran (Fenasdetran), quando as penas começarem a ser aplicadas, vão servir para alertar os condutores.
“Antes mesmo de entrar em vigor, a gente percebeu que as pessoas estavam preocupadas. Quando aparecer o primeiro caso de condutor que ficar na cadeia por um tempo, as pessoas vão começar a se policiar com a direção”, acredita Clezer.
Para ele, a Lei Seca é benéfica para diminuir acidentes – especialmente nas rodovias. No entanto, devido à demora nos julgamentos dos processos de suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), ele acredita que ela pode ser associada somente ao pagamento da multa de R$ 2.934,70.
“A partir do momento que a pessoa é autuada, primeiro ela paga a multa e depois o Detran tem até cinco anos para instaurar um processo. Isso faz com que o cidadão ache que pode só pagar a multa, sem as outras penalidades, que incluem passar um ano sem dirigir”, explica o advogado.
Além do prazo de cinco anos para instaurar um processo, o Detran tem até cinco anos para julgá-lo pela Junta Administrativa de Recursos de Infrações (Jari). O capitão Márcio Santos, coordenador de fiscalização de veículos do Detran-BA, admite que o órgão tem uma demanda grande, mas que tenta cumprir o prazo determinado pela lei. No entanto, se a infração não for julgada pela Jari em um prazo intercorrente de até três anos, ela acaba prescrevendo, informou o capitão Márcio Santos.
Álcool e direção podem ser fatais, diz associação No trânsito, nada pode ser mais fatal do que a associação do álcool e da direção, segundo o presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego – Seção Bahia (Abramet-BA), Antônio Meira. Por isso, a entidade é uma das defensoras do endurecimento da Lei Seca.
“As pessoas que matam no trânsito não são punidas. Acabam com uma sensação de impunidade que facilita negligenciar as leis. No Brasil, hoje, o trânsito mata mais de 42 mil pessoas por ano. A gente não pode continuar com esse dado e, para mudar isso, tem que ter punição”, aponta.
De acordo com a Abramet, 28,9% das vítimas de trauma atendidas em uma sala de emergência em São Paulo apresentaram alcoolemia positiva. Já no caso de vítimas fatais, o percentual de alcoolemia positiva registrada chegou a 47%.
Assim, o médico destaca que dirigir alcoolizado reduz a capacidade de percepção do condutor – tanto de velocidade, obstáculos, reflexos até a habilidade de controlar o veículo. “O álcool também diminui a visão periférica. A pessoa não se interessa pelo que acontece lateralmente, como se não tivesse vendo os retrovisores”, diz Meira.
Além disso, o álcool inibe as barreiras morais – ou seja, faz com que o motorista perca a autocrítica. “O condutor faz o que não deve ao volante. Não usa cinto de segurança, acaba desrespeitando as leis. Essa parte de euforia e empolgação. O pior é que ele passa a ser negligente em relação aos riscos”, alerta.
Ele reforça, ainda, que não há limites ‘seguros’ para a bebida. Ou seja, não adianta achar que ‘só um copo’ ou ‘só uma dose’ não farão mal. “O limite ideal é zero. Se a pessoa bebeu, ela não pode dirigir. E a decisão de não beber deve ser tomada preferencialmente antes do início da condução do veículo”, afirma Meira.