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Carolina Cerqueira
Publicado em 19 de maio de 2025 às 05:00
“Top 4 produtos de skin care”, “Banho quente x banho frio” e “proteção solar em dias nublados” são alguns dos títulos das publicações de uma médica de Feira de Santana em seu perfil no Instagram. Até aí, tudo bem. As redes sociais estão cheias de profissionais que levam seus conhecimentos para o mundo online em busca de impulsionamento da carreira. Mas este perfil oculta uma história de fazer o queixo cair. >
No destaque “Quem sou eu” do @dicadepele, Larissa cita “desafios intensos que a vida impôs” e “injustiças e momentos de profunda dor pessoal”. A publicação foi adicionada no dia 29 de abril deste ano, poucas semanas depois da criação da conta e da condenação da médica por lavagem de dinheiro e organização criminosa para tráfico de drogas. >
No perfil, Larissa anuncia que realiza atendimentos e procedimentos, como tratamento de doenças de pele, aplicação de botox e preenchimento. Através da própria página, é possível entrar em contato para agendar as consultas, que ela informa poderem ser onlines ou presenciais.>
Ela informa no perfil que é médica formada pela Unime, em Lauro de Freitas. Também diz que, em 2023, começou e não concluiu uma pós-graduação em dermatologia clínica e estética em São Paulo. Foi a caminho de um evento médico na capital paulista que Larissa foi presa, em fevereiro de 2024. >
Ela foi solta em agosto do mesmo ano. Em 2025, a sentença condenou a médica Larissa Gabriela Lima Umbuzeiro juntamente com mais quatro parentes e o marido, Paulo Victor Bezerra Lima. Ela teve a pena de 16 anos de reclusão e ele ficou com a pena de seis anos de reclusão em regime semiaberto. >
O pai, Rener Umbuzeiro, era apontado como líder do núcleo criminoso, mas morreu ao reagir, segundo a polícia, à tentativa de prisão da Operação Kariri (que investigou o caso), em fevereiro de 2024. Ele teria atirado três vezes contra policiais usando uma arma ilegal. >
Um ano depois >
Enquanto usa tornozeleira eletrônica, Larissa marca presença nas redes sociais dando dicas de cuidados com a pele, dá plantões médicos e espera autorização da Justiça para iniciar uma jornada de trabalho em uma clínica em Cruz das Almas. As informações constam nas movimentações publicadas no sistema eletrônico de processos judiciais (PJe). >
A petição que solicita a autorização para o novo emprego diz que a médica realizaria consultas uma vez por mês, precisando se deslocar de Feira de Santana, onde reside, para Cruz das Almas, onde fica a clínica. >
Larissa chegou a obter autorização para retirar a tornozeleira eletrônica por conta de um exame de ressonância magnética no dia 2 de abril. Como resultado, informou à Justiça que precisará passar por uma cirurgia nos ovários e solicitou novamente permissão para a retirada do aparelho no dia do procedimento, marcado para 26 de maio.>
Na nova conta, a médica diz que está cursando a pós-graduação em dermatologia da Afya Educação Médica, que fica em Salvador. Também solicitou autorização da Justiça para este deslocamento. >
Império da maconha >
Na sentença, Larissa é apontada como “idealizadora do esquema de lavagem [de dinheiro]”. “Apesar de ser jovem e médica integrou-se no crime de forma perene, utilizando familiares e conhecedores para iludir o Estado. A personalidade revelada é dissimulada e calculista, conforme se depreende de suas ações planejadas”, diz o documento. >
A família foi desenhada como responsável por criar um império de tráfico de drogas no Nordeste, por meio da plantação ilegal de maconha. As investigações começaram em 2019 e apontam que os seis integrantes, além de Rener, seriam responsáveis por todo o ciclo da produção de maconha. >
Larissa e o marido, Paulo Victor, se casaram em 2023, em Feira de Santana, sem a presença do pai da noiva, que já estava sob a mira da PF na época. O casal ostentava uma vida de luxo nas redes sociais, com viagens e festas. >
Paulo Victor, que teria utilizado contas próprias para movimentar o dinheiro da família, é sócio de uma loja de ferramentas em Feira de Santana desde 2018. Ele segue aparecendo rotineiramente em vídeos do perfil @uauferramentas, que tem 32,4 mil seguidores. E tem um perfil pessoal aberto, @paulovlima, com mais de seis mil seguidores, que destaca a frase “Do caos, construí propósito. A verdade é meu maior ativo”. >
Na conta, há um hiato de publicações. Depois de uma postagem em janeiro de 2024, comemorando seis meses de casado com Larissa, ele só volta a publicar no dia 29 de abril de 2025, após a condenação. >
O perfil de Larissa foi criado há cerca de três meses, depois dela ter alterado o nome do anterior. O @dra.larissaulima, que agora é @lariissau, tem mais de nove mil seguidores e é privado (fechado) e pessoal. O novo, profissional, tem cerca de 700 seguidores e estava aberto até a última sexta-feira (16), dia em que a reportagem entrou em contato com os advogados de Larissa e de Paulo Victor para conceder espaço para que eles pudessem se manifestar sobre a condenação e a presença nas redes. >
O perfil pessoal de Paulo Victor seguiu aberto ao menos até a publicação desta reportagem. Ele, no entanto, desativou a possibilidade de quem acessa seu perfil de deixar comentários nas publicações em que ele aparece com Larissa. >
Em resposta ao contato feito pelo Correio, a defesa de Larissa informou que já recorreu da decisão "e seguirá, até as instâncias superiores, buscando comprovar a absoluta impertinência da condenação". Disse ainda, através de nota enviada pelo escritório Nestor Távora Advogados Associados, que ela segue atuando profissionalmente com anuência da Justiça, buscando especialização e exercendo comunicação nas redes sociais. >
"Dra. Larissa se colocou à disposição da unidade prisional feminina de Feria de Santana/BA para prestar serviços médicos voluntários e em outros municípios da região, entretanto, ainda pendente de decisão", diz o documento. "Dra. Larissa tem cumprido, integralmente, com todas as decisões proferidas pelo Juízo de Feira de Santana/BA e pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia", continua. >
A defesa de Paulo Victor disse que respeita a decisão judicial, mas que discorda dela e, por isso, irá recorrer às instâncias superiores. "Reafirmamos categoricamente a mais absoluta inocência de Paulo Victor. Os elementos existentes no processo não são suficientes para fundamentar a condenação", diz a nota enviada pelo advogado Sebástian Mello. >
O que acontece agora?>
O advogado criminalista e professor Guilherme Brito explica que Larissa e Paulo Victor puderam responder ao processo em liberdade, sendo soltos ainda em 2024, por conta da presunção de inocência, mas a aplicação da tornozeleira eletrônica para Larissa, por exemplo, é uma das medidas possíveis para resguardar a eficácia da investigação e do processo criminal. >
"A tornozeleira não pode ser removida do corpo e deve ser mantida sempre carregada, geralmente precisando de carregamento diário, de modo a permitir que a localização do acusado seja monitorada constantemente", explica. >
Guilherme Brito acrescenta que o uso da tornozeleira pode ser revisto a qualquer momento a partir de circunstâncias e aspectos relacionados à vida profissional ou à saúde do acusado e, por isso, Larissa pode solicitar flexibilizações para trabalhar, estudar e realizar exames e cirurgias. >
Sobre o uso das redes sociais, o advogado sim que, se não há nenhuma determinação da Justiça contrária a isso (como é o caso), os acusados podem acessar e utilizar as redes sociais livremente. >
Segundo o especialista, mesmo que condenados, Larissa e Paulo Victor só podem ser presos depois que a condenação transitar em julgado, "ou seja, quando não couberem mais recursos contra eles". Como a sentença foi dada em primeira instância, agora é possível que as defesas recorram ao Tribunal de Justiça, através de apelação. >
"Após a segunda instância, a depender do resultado, ainda assim será possível recorrer aos tribunais superiores, ou seja, o Superior Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça", finaliza Guilherme Brito. >